Nunca confiei muito em minhas próprias ideias, o que resultou em um conselho do Marcos. A galera já estava me enchendo o saco desde o mês passado, abril, que infelizmente é meu aniversário. Eu fiz 23 anos e ainda sou virgem.
Nossa.
Grande bosta.
Pros meus amigos é claro.
Marcos, Pedro, Carlos e Bruno.
Tudo filho da puta.
Moramos numa república há dois anos e meio. Sasha cuida da gente como se fossemos filhos dele, e de vez em quando, recebemos umas broncas por não colaborarmos com a limpeza de lá. Ele nos orienta, paga as nossas contas, e nós rachamos tudo numa vaquinha no fim do mês. Marcos é amigo de infância. Já os outros três, conheci mesmo na república. Ficamos amigos logo de cara. Sasha sabe como misturar o pessoal naquele prédio. Cinco andares, a cobertura é da mãe dele; que tá quase nas botas. Os outros apartamentos são divididos pela quantidade de estudantes. O meu é o Alpha, o 3º andar. Diz o Sasha que é porque fomos os primeiros rapazes a morarem por lá. As gurias ficam no 4º andar; duas jovens de 25 anos cada, fãs de Restart e Justin Bieber. É. Eu não me enturmo com elas. O 2º é do Sasha; e ele reclama muito quando a gente faz maratona de games no final de semana. Já o 1º andar tá em reforma. Sasha disse que vai abrir pra mais um grupo.
Espero que sejam gurias gostosas. Ter uma dessas por perto é garantia né?
Um grande problema de ser Eu é meu trabalho. É um sebo de 300 anos de idade, fica em Pinheiros e eu odeio passar o dia catalogando livros que ninguém mais lê. Maria diz que eles vendem muito, mas eu quase não vejo um cliente. Apesar de chato, monótono e careta, ele paga a minha faculdade de Redes.
E foi lá, no banco ao lado da biblioteca, que Marcos meu deu uma ideia.
— Simples. Você grava e prova pra gente que não é um cabaço. - Afirmou Marcos.
— Manda pelo Whatsapp. Assim você prova que foi verdade também. - Acrescentou Bruno.
Eu fiquei absurdado. Quanta genialidade.
— Eu vou ter que ir ao Kekoisa, beber até meus rins estourarem, escolher qualquer uma, foder, gravar e mandar pra vocês?
— Isso. - Disseram em uníssono.
— Mas que ideia de jerico?! - Disse.
— Rafa, tira essa sua cara de virgem e deixa de ser um peso morto na minha vida. Eu era o único que tinha mais chance de morrer sozinho, e tô pegando a Jéssica há dois meses. - Disse Marcos.
Marcos é um nerd, tarado, punheteiro, que só pega a Jéssica porque faz as provas de matemática no lugar dela. Mas pega mais que eu.
— Gente, vamos parar de se preocupar com o cacetinho dos outros - Disse Pedro, chegando com o Carlos.
— Na minha terra isso é até normal, mas aqui em Sampa, eu jurava que paulista era macho. - Eu disse.
— Gaúcho é tudo boiola, por isso o Rafael é virgem ainda. Perdeu a virgindade só do…
— Vai dar a bunda, Carlos! - Eu completei.
Os quatro me olharam por um tempo. Gosto de acreditar na teoria de que eles queriam ser compreensíveis, e não um bando de macho punhetero que quer que todo mundo saia fodendo por ai. Entretanto, eu caia em um buraco negro de incerteza. Não era bem o fato de ser cabaço. Era a aceitação no grupo.
Nós cinco sempre fomos unidos. Principalmente eu e Marcos, que nos conhecemos desde os 10.
Se eu quebrasse a perna, ele dava um jeito de se estrepar na bicicleta e ir ao ortopedista comigo.
Quando ele entrou na faculdade, eu me inscrevi junto.
Quando ele beijou a primeira vez, isso com uns 15 anos, eu tasquei um beijo numa guria que estava do lado dele.
E faz um ano que esse bosta não é virgem.
Os outros três também.
Só o babaca aqui, está nessa de ser cabaço ainda.
— Eu escolhi esperar. - Brinquei, quando eles estavam falando de casamento.
— Pela piroca maior? - Completou Pedro.
— É, que nem você Pedrinho.
Rimos.
— Olha cara, se você não quiser de boa. - Disse o Pedro, um tom a baixo. - É o Carlos e o Marquinhos que estão enchendo.
— De boa…
— Se eu fosse você, nem ligava pra isso.
[...]
Desci a escadaria da FP correndo. Estava quase sem fôlego quando esbarrei em Carlos.
— E ai veadinho.
— Só não cheguei antes porque não deu.
— Beleza. – Ele mexeu na mochila. – Tá aqui o endereço do Kekoisa.
Respirei fundo. Não pelo cansaço, mas sim, porque essa ideia de tirar o cabaço me irrita.
— Não sei se vou.
Carlos me fitou.
— Cara, na boa, fala logo pro Marcos que você tá tranquilo quanto a isso. Normal ser cabaço aos 23... Caralho! 23 anos!
— Tá, eu sei.
— Mas porra. Nunca lhe deu vontade?
— Claro que deu. Mas eu não –
— Eu sei. – Carlos me interrompeu. – Eu fiz a mesma coisa que você até os 17. Daí eu saquei que passaria a vida procurando uma garota legal. Sabe o que eu fiz? Liguei o foda-se.
O olhei.
— É cara, só liga o foda-se. Tudo se resolve depois.
Carlos saiu indo direto para o refeitório.
Coloquei o papel na mochila, e segui meu rumo ao sebo.
[...]
O trabalho no sebo da Maria é simples.
Tanto que é chato.
Entediante.
Insuportável.
Um dia desses, ela me disse que eu tinha sorte em estar aqui. Disse que era incrível estar no meio de tantos livros, e que eu era sortudo. E que eu era sortudo. E que eu era sortudo...
— Você tem sorte! – Disse Maria, ao me ver entrar pela porta de vidro, com aquele sino em cima, indicando que alguém acabou de entrar.
— Boa tarde, Maria. – Eu disse.
Segui para o estoque, como sempre fazia.
— Rafael! – Ela me chamou.
— Oi Dona Maria.
— Não se esqueça de separar todos os livros da Clarice Lispector. Uma jovem vem busca-los hoje.
Continuei meu caminho, peguei minha prancheta, revirei os caixotes e encontrei os tais livros.
Catalogar, separar, colocar na prateleira e no final do dia, passar tudo pro PC ancião que fica nos fundos. Quase comprei uma carroça melhor, mas a Maria é apegada aquela lata velha.
Não demorou muito até o José aparecer.
— E ai jovem.
— José...
Na verdade o nome dele não é José. Ninguém sabe o nome desse velho. Mas ele vem aqui todos os dias, lê uns livros e some. Aí ele aparece no dia seguinte, e no outro, e no outro...
Quem o deu esse nome foi a Maria.
— O que temos hoje? - Ele me perguntou, olhando os caixotes ao meu lado.
Revirei uns títulos.
— Velharia. Bem do que você gosta.
Ele pegou alguns, se sentou na mesinha de centro, e eu segui com meu trabalho.
Enquanto eu anotava na prancheta, José lia e Maria contava o caixa, o sinal da porta balançou.
Uma ruiva baixinha de olhos mel e nariz arrebitado, entrou.
— Querida!
— Oi Maria. - Ela disse com uma voz aveludada. Parecia um pouco desanimada e atenta ao mesmo tempo. Nunca a vi aqui. Nunca a vi em lugar algum, mas parecia que ela deveria pertencer a minha rotina.
— Rafael ficou de separar os livros para você. Se puder esperar na mesinha, fique a vontade. Pegue os livros que quiser querida.
Eu estava atrás da segunda estante. Na minha frente havia quatro livros, que por sorte, tampavam a minha cara.
Ela pegou um livro de capa vermelha, sorriu para José e se sentou na mesinha.
Suspirei olhando o caixote seguinte. Eram alguns dos títulos de Clarice. Todos velhos e gastos, alguns até sem metade da capa.
Separei, cataloguei e os coloquei na caixa azul. Maria gosta de entregar os livros em caixas.
— Aqui. - Coloquei a caixa em cima do balcão da Maria. Ela me olhou de soslaio, por de baixo dos óculos, e apontou com o nariz para a ruiva.
— Leve até ela.
— Ela que venha até aqui e pegue, estou ocupado.
Maria me deu um beliscão.
— Leve!
Revirei os olhos.
Nunca fui bom com garotas. Não sei conversar com elas. Não sei me comportar perto delas, e, definitivamente, não sei lidar com elas.
— Seus livros. - Disse, colocando a caixa azul na mesa à frente.
Ela sorriu. Fitou-me com suas orbes verdes.
— Adoro azul.
— Eu gosto de preto.
Ela riu baixinho.
— Lívia.
— Rafael.
A guria pegou a caixa, entregou o valor a Maria e se despediu. A encarei sair do sebo.
O resto do dia foi o de sempre.
Cataloguei.
Separei.
E logo eu estava no PC ancião, nos fundos do sebo.
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