1. Spirit Fanfics >
  2. A Magia de Luz >
  3. Reencontrada

História A Magia de Luz - Reencontrada


Escrita por: ReiAyanami

Notas do Autor


Olá, pessoal!
Muito bem, depois de meses sem postar, resolvi criar vergonha e aqui estou.
Antes de lerem, preciso fazer uma explicaçãozinha sobre a cronologia desde capítulo. Bem, os acontecimentos da primeira parte do capítulo são simultâneos aos do capítulo anterior, só que pelo ponto de vista da Cibele. Então, não se preocupem se ao longo da leitura tiverem aquele momento Déjà vu e acharem que já leram, pois alguns trechos são mesmo parecidos, ou até iguais. Já a segunda parte, pra não deixar mais confuso ainda, deixei uma indicação de tempo.

Nas notas finais eu coloquei um glossário com alguns termos usados nessa história. Alguns podem parecer meio óbvios, mas seria interessante vocês lerem, pois podem esclarecer melhor sobre algumas coisas. As palavras que constam no glossário estão numeradas.

Enfim... Desejo uma boa leitura para todos!!

Capítulo 3 - Reencontrada


Fanfic / Fanfiction A Magia de Luz - Reencontrada

CAPÍTULO 1

Cena 2: Reencontrada

As duas últimas semanas haviam sido exaustivas para Cibele, sobretudo nos primeiros dias da segunda semana, mas agora podia ver sua recompensa...

No dia anterior recebera o aviso. Os soldados já haviam saído do castelo e rumavam para o sul, iam buscar a garota. A distância que eles percorreriam era grande, cruzariam todo o Reino, mas a distância entre a caverna onde Cibele estava aprisionada e a Vila Zafira também era grande. Teria que pôr o plano em ação imediatamente.

O elaborado estratagema que a alquimista [1] idealizou envolvia duas magias [2] bastante complicadas: magia de invocação [3] e magia cognitiva [4]. A primeira para afastá-la de Zafira, a segunda para guiá-la até onde ela estava.

Apesar de ter grande aptidão com a magia cognitiva, aplicá-la em alguém com poder mágico superior ao seu não era algo que costumasse funcionar. O mesmo acontecia com qualquer tipo de magia. Isso será difícil, ela supôs após dar um longo suspiro. Quanto à magia de invocação, esta nunca fora seu forte. Mantê-la por vários dias seria, então, um enorme desafio. Sim... Isso será realmente difícil, o pensamento a atormentou novamente. Suspirou mais profundamente e deixou-se cair sentada sobre as pernas, derrotada apenas pela ideia de não conseguir levar adiante seu plano. Mas desistir não era uma opção, então logo se pôs de pé e começou.

Bom... Primeiro preciso estar lá. Por “lá” Cibele referia-se a estar nas proximidades da vila de caçadores, onde daria início ao plano. Como não poderia deixar a caverna, teria que mandar um “enviado”. Era aí que entrava a magia de invocação.

Vasculhou dentro de sua bolsa e dela retirou uma pequena pedra. Tinha o formato oval e uma tonalidade verde-capim cintilante que se iluminava ao menor contato com a luz. Colocou-a no chão e tomou distância. Estendeu as mãos em direção à pedra, fechou os olhos e pensou em algum animal rápido. Uma ave deve funcionar, pensou e logo imaginou um falcão. Abriu os olhos e contemplou o resultado. Na sua frente, no local onde antes deixara a pedra esverdeada, um falcão a fitava com seus olhos negros muito brilhantes. Os olhos de Cibele também brilharam de satisfação, raramente conseguia invocar algo logo na primeira tentativa.

– Agora vá! – bradou indicando a abertura da gruta.

E lá se foi a ave, andando. O bicho andava de forma lenta e desengonçada sobre pernas e garras feitas para agarrar, e não para caminhar.

– Não! – Cibele protestou. – Voe! – bateu os braços mostrando como o pássaro deveria fazer.

Então entendeu que não funcionaria. Se ela não sabia voar, sua invocação obviamente também não saberia. O percurso teria que ser feito por terra. Repetiu o processo e substituiu a ave por um animal terrestre, uma raposa. Esta, sim, foi rapidamente onde a alquimista lhe ordenou.

A raposa teve que percorrer uma grande distância, isso levou vários dias. Durante essa jornada, manter a invocação tornava-se cada vez mais difícil. A lonjura tornava a magia fraca e imprecisa. Muitas vezes tivera que invocar novamente o animal, pois ele simplesmente se desintegrava. A cada vez que o fazia, tinha que descarregar uma quantidade maior de energia para que a magia se realizasse.

E assim passaram-se os dias. A invocação chegou ao seu destino no momento certo. Viu através dos olhos da raposa que Selina acabara de adentrar a floresta, provavelmente para buscar as provisões para a casa. Cibele já havia estudado a rotina da jovem, sabia que a cada dois ou três dias ia até a Floresta Norte, onde pegava água, alguma caça, frutas e lenha.

Espreitou por detrás de um arbusto e viu a jovem começar seu trabalho, ela percorria o terreno enquanto catava os pedaços secos de galhos que julgava serem bons para queimar.

Precisava tirar a garota de perto da vila e não poderia perder esta oportunidade. Outra chance poderia vir tarde demais. Não deixarei que volte para lá. Não hoje, pelo menos. Com esse objetivo em mente pôs a segunda parte do seu plano em prática: fazê-la se distanciar da aldeia.

Havia pensado em tudo. Invocaria algum animal feroz e assustador e o usaria para afugentar a jovem mais para dentro da mata. Preciso de um animal selvagem... Algo bem feroz e medonho. Pensou um pouco até escolher que animal serviria. Um urso! Um bem grande e com cara de mau.

Seria a primeira vez que invocaria algo estando tão longe da pedra Zerion[5]. Isso tornava a tarefa um verdadeiro desafio, mas não poderia falhar. Fechou os olhos e imaginou um urso com uma densa pelagem castanha, com olhos intimidadores, feroz e com garras afiadas e ameaçadoras.

Quando sentiu que estava acabado, abriu os olhos. Assim que o fez, percebeu que algo não tinha saído certo. A altura dos seus olhos era de apenas cerca de trinta centímetros acima do solo. Um urso não deveria ser maior? Ela estranhou. Por que me sinto tão baixinha? Qualquer um que ouvisse esta última frase certamente riria de Cibele, ela era, de fato, uma mulher bastante pequena, mal chegando a um metro e meio. Mas o caso era que o animal invocado estava realmente muito menor do que deveria.

A alquimista levou o ser até a beirada de um rio para conferir o que estava acontecendo e ao olhar-se no reflexo da água logo entendeu. Aquilo de certa forma até assemelhava-se a um urso. O formato da cabeça, o focinho, as orelhas... Como ela mentalizou, a densa pelagem castanha estava lá, as garras afiadas também. Quanto ao olhar intimidador... Sim, poderia se dizer que aquilo intimidava. Aquele desenho em forma de máscara em volta dos olhos conferia ao animal um olhar ardiloso de um ladrão.

– Mas isso é um guaxinim! – esbravejou lá da sua caverna. – Esse bichinho não assusta nem a mim, que dirá a uma caçadora. Aliás, se não tiver cuidado é bem provável que ela queira me caçar para o almoço! – a ideia a assustou, então tratou de esconder-se. – Assim o meu plano de afugentá-la irá por água abaixo.

Por água abaixo... É isso! Em vez de afugentá-la, vou fazê-la ir por água abaixo! Olhou em volta e viu a oportunidade perfeita para lançar seu novo plano: Selina acabara de entrar no rio para banhar-se. Estava totalmente distraída brincando na água e, o melhor de tudo, havia deixado todos os seus pertences abandonados sob uma árvore na margem do rio.

– Vou fazê-la nadar para longe da aldeia! – Cibele proclamou entusiasmada.

Então o guaxinim aproximou-se dos objetos, tão sorrateiro quanto o ladrão sugerido pela sua máscara. A aljava cheia de flechas, as roupas e até mesmo o pote foram levados até a margem. Por último restou o arco, que com muita dificuldade foi arrastado pelo pequeno animal. Cibele observou Selina, a aproximadamente cinquenta metros à jusante. Ela ainda brincava e não notou o movimento.

O próximo passo seria lançar os objetos na água para que a garota fosse atrás deles, mas isso a levaria para longe de seus olhos. Esse bichinho não será rápido o suficiente para acompanhá-la na água. Terei que transferir a pedra para algo que fique com ela.

O guaxinim então se deitou sobre o arco e o abraçou com as quatro patas, mantendo o máximo contato possível com a arma. Um ponto luminoso luziu dentro do animal e começou a mover-se, indo em direção ao arco, até que passou de um corpo para o outro. Quando a pedra Zerion adentrou por completo a madeira clara da arma, esta se iluminou completamente, reluzindo como uma lua nova, quando se apresenta em apenas uma fina risca curva no céu. Cibele agiria a partir dali agora. Logo que perdeu a pedra, sua fonte de energia, o guaxinim tornou-se um ser translúcido, um fantasma mantido apenas com os resquícios da magia. Com essa pouca energia restante ele rapidamente lançou todos os pertences de Selina na correnteza do rio, o arco por último. Tendo sua missão cumprida, o ser sorriu orgulhoso para a jovem, que já notara os objetos na água e olhava para ele em busca de alguma explicação. O sorriso satisfeito do guaxinim pareceu-lhe um sorriso zombeteiro. Logo em seguida ele desapareceu.

Como o esperado, ao ver suas coisas boiarem correnteza abaixo, Selina pôs-se a nadar em busca delas.

Aquele rio não era muito grande, logo não era tão rápido. A garota nadava bem e não demorou até recuperar tudo. O momento em que ela agarrou o arco com força foi perfeito para Cibele dar início à última parte do plano. Diferente da invocação e da transferência, a magia cognitiva necessitava um contato direto entre o objeto encantado com a Zerion e o alvo. Quanto maior fosse o contato, maior a chance de a magia funcionar. Enquanto o contato fosse mantido a mente da pessoa poderia ser modificada de acordo com a vontade do alquimista.

Apesar disso, não seria nada fácil aplicar tal magia. Embora Selina não fosse, de fato, uma maga, Cibele conhecia seu potencial mágico. E este era incrivelmente superior ao seu.

Durante o breve instante em que Selina tocou a arma estava com sua atenção toda voltada ao objeto que perseguia, e esse foi o momento ideal para a magia cognitiva ser aplicada. O cenário ao seu redor estava, por hora, fora de sua visão. Nessa hora, a alquimista distorceu seu senso de direção fazendo-a perceber o mundo de uma forma invertida no sentido latitudinal, onde ela pensava ser o norte era o sul.

Logo após reaver o arco, a jovem nadou para a margem. Entretanto, como o rio corria de leste para oeste, ela acabou saindo na margem contrária à que tinha entrado, a margem norte.

A partir daí, Selina começou sua jornada para sair da floresta. Seguiu o Fiapo até encontrar o grande Rio Dourado, com suas águas de tonalidade amarela correndo magicamente invertidas para norte, em vez de para o sul. E, convicta, para o norte ela seguiu.

Muitas horas se passaram sem que a jovem caçadora encontrasse a saída, e nem poderia. Ela já começava a desconfiar que algo não estava certo, conhecia bem demais aquela floresta para ser enganada por tão pouco. Isso era preocupante. Já estava sendo demasiado difícil para Cibele manter a magia por tanto tempo em alguém com poder mágico maior que o seu. Todas as magias mentais, a cognitiva inclusive, perdiam seu efeito na hora em que o alvo descobrisse a verdade. Qualquer pequena desconfiança poderia quebrá-la, levando Selina de volta à realidade. Não perceba. Não perceba, por favor. Longe dali, a alquimista rezava. Você está indo para o sul. Acredite nisso, não desconfie de nada. Apenas prossiga. Ela alimentava a magia com esses pensamentos.

Passou dias assim, até que Selina, por fim, convenceu-se que estava na direção certa. Afinal, “o curso do rio era incontestável”. Esse era um pensamento muito constante na cabeça da jovem. Tanto que até Cibele teve acesso a ele.

Então surgiu algo inesperado: o grande rio que cortava a floresta de leste a oeste. O Corta-Mata ficava muito a norte do Fiapo e, apesar de ter seu senso de direção invertido, Selina sabia disso. Ela olhava do Dourado para o Corta-Mata, sem entender o que aquele rio fazia ali.

Enquanto isso, Cibele em sua caverna desesperava-se. Ela descobriu. É o fim, a magia será cancelada agora. Tudo está perdido... A alquimista lamentou, derrotada.

Selina parou, pensou por muito tempo. Sentou-se no chão com as pernas cruzadas e fechou os olhos. Aquele era o Corta-Mata, ela sabia, mas não podia ser. Poderia ser outro afluente? Haveria um afluente tão largo assim entre o Fiapo e o fim da floresta? Selina sabia que não. Mas...

Olhou uma última vez para o Dourado e sua correnteza fluindo ferozmente. Levantou-se e exclamou em voz alta sua conclusão.

– O curso do rio é incontestável! Esse daí é só mais um braço qualquer do Dourado. Sim, esse daí deve ser o tal... Ah, é um tal que não me lembro. Eu não conheço todos os rios daqui, mesmo... – ela convenceu-se e continuou.

Aquilo realmente surpreendeu Cibele. Estava convencida que sua magia seria anulada, mas em vez disso Selina convencera a si própria, inserindo ela mesma uma ideia errada da realidade que conhecia. A jovem sabia que não havia outro rio ali tão largo quanto o Corta-Mata, mas mesmo assim negou seu conhecimento, incutindo em sua mente uma falsa realidade. Era quase como se ela mesma aplicasse em si a magia cognitiva.

E convicta desse fato, Selina continuou seu caminho. Precisava cruzar aquele ramo para continuar seguindo o Dourado. Entretanto, ali isso seria impossível. A foz daquele “rio desconhecido” tinha cerca de dez metros de largura e a correnteza era forte. A menina teria que contorná-lo e atravessar onde o curso fosse mais estreito ou mais raso. Seguiu, então, para leste.

Conforme as horas passavam, a falsa ideia de que aquele não era o Corta-Mata foi aos poucos se diluindo na verdade em sua mente. Mas ainda assim ela continuou sua marcha. No seu íntimo, Selina queria ser enganada. Queria ir para o norte em vez de ir para o sul. Queria cruzar aquele grande rio.

Muitos anos atrás, assim que ela ficou forte o suficiente após ter sido encontrada semicongelada na floresta, o velho Benjamin a levara até aquela parte da mata. Uma tentativa de fazê-la lembrar do próprio passado. Selina lembrava-se bem desse episódio agora que seguia o mesmo percurso. Lembrou de como agarrava firmemente a mão do tio, ainda amedrontada com aquele mundo e aquelas pessoas que não conhecia. A primeira impressão que teve ao vislumbrar o rio foi inesquecível. Ela ainda não havia sido apresentada ao Dourado, então nunca antes havia visto nada tão grande quanto o Corta-Mata. Os dois aproximaram-se da margem e Ben apontou o outro lado.

– Foi bem ali – ele dissera suavemente. – Você estava caída do outro lado do rio, caída e congelando. Consegue lembrar-se de como foi parar ali, sozinha?

A criança limitara-se a sacudir a cabeça negativamente. Depois fitara a outra margem tão concentrada que parecia estar hipnotizada.

– Quero ir para lá – ela proferira timidamente voltando seus olhos verdes e brilhantes para o homem. – Vamos? – pedira.

Benjamin ajoelhara-se para ficar da mesma altura que a menina. E, passando a mão sobre seus cabelos verde-acinzentados, respondera:

– Não, querida. Ninguém pode atravessar este rio. A parte de lá pertence a “eles”, a parte de cá pertence a nós. Consegue entender?

– Quem são “eles”? – a menina questionara.

– Os elfos. Eles são os verdadeiros donos dessa floresta toda, mas gentilmente nos permitiram usar esta parte. Há muito tempo eu, como líder da vila, fiz um acordo com o líder deles. Nenhum humano passa para lá e nenhum elfo pode vir para este lado. Essa é a nossa principal regra.

– Mas se eu estava lá do outro lado... o tio quebrou a regra?

Benjamin rira coçando a nuca, como sempre fazia quando estava encabulado. Era verdade, naquela ocasião nem se lembrara de tal regra e atravessou a ponte sem hesitar.

– Não comente isso com os outros, sim? – ele segredara com uma piscadela que fez a menina rir. Aquela foi a primeira vez que Benjamin a vira sorrir, e isso o enchera de satisfação. – Mas eu precisei fazer isso. Como humana, você corria riscos estando do lado errado. Eu tinha que lhe trazer pra cá.

Quando voltou de suas recordações já anoitecia. E diante de si podia ver a ponte que separava a parte élfica da parte humana da floresta. “Nunca devemos cruzar o rio”, foram as palavras do tio.

Apesar da proibição imposta por seu tio, Benjamin, uma força a movia naquela direção. Não se tratava mais da magia cognitiva de Cibele. A essa altura, a magia já havia se dissipado completamente. Era o passado, que a levava pela mão, e ela o seguia, movida pela curiosidade. Daquele lado estaria a sua própria história, algo a muito esquecido. Um passado que talvez devesse permanecer oculto. Velado pelo tão sábio esquecimento, Cibele lamentou. Apesar de sua magia não fazer mais nenhum efeito sobre a garota, a alquimista ainda a acompanhava através da tênue ligação com a pedra Zerion estabelecida em seu arco. Mas não havia outra opção a não ser jogá-la de volta nesse mundo perigoso que era sua verdadeira vida.

Quando Selina encontrou a ponte, não hesitou em atravessá-la. Chegando do outro lado vislumbrou o céu e a lua chamada Menina a fitou lá de cima. Benjamin lhe contou certa vez que a lua havia lhe lançado esse mesmo olhar, na ocasião em que ele a encontrara. O nome “Selina” que ele havia lhe dado viera daí. Significava “lua” em um idioma esquecido há muitos milhares de anos.

Refez seus passos de sete anos atrás, indo de volta à margem do Dourado. Sem perceber, seus passos tornaram-se tão acelerados quanto seu coração, e logo estava correndo.

– Já estive aqui... – a jovem balbuciou, levemente familiarizada com aquele ambiente. – Eu estava sozinha? – ela não tinha certeza quanto a isso.

Ao aproximar-se do Dourado, já livre do efeito da magia, viu suas águas correndo normalmente no sentido norte-sul. Anteriormente, seu objetivo era retornar à vila de caçadores, para o seio da família que a acolheu durante longos anos. Mas agora, tudo o que pensava era em voltar ao seu passado, retomar suas memórias, voltar à sua verdadeira família, sua verdadeira origem. Voltar a ser o que era. E o caminho para isso ficava para o norte. Era para lá que seguiria.

Muito longe dali, Cibele ainda perscrutava os pensamentos e sentimentos mais profundos de Selina. Sentiu o alívio percorrer-lhe o corpo ao saber da decisão que a jovem caçadora havia tomado.

– Consegui. Ela virá para cá, agora. – a alquimista pronunciou com um breve suspiro vitorioso, porém nem um pouco feliz.

Exausta, ela deixou-se cair sobre sua cama improvisada feita com palha, folhas e um pano, que cobria tudo. Não precisaria mais esforçar-se, nem aplicar ilusões, agora tudo o que poderia fazer era esperar.

Deitada, contemplou o teto escuro da caverna e se perguntou se estaria mais próximo o dia em que seria libertada daquele lugar. A esperança lhe trouxe um sorriso, mas a descrença logo veio e levou ele embora. Rolou para o lado puxando um pano sobre si. Encarou a escuridão que chegava com a noite, pensativa.

– Fiz a coisa certa, não fiz? – tentou se convencer. – Era a única forma de protegê-la dele. Ele não vai encontrá-la aqui... Não é? – e finalmente adormeceu. Fazia muito tempo que não dormia direito. Quando acordou no dia seguinte já havia passado muito do meio dia.

Passaram-se dias desde então. A expectativa crescia no coração de Cibele na mesma proporção que aumentava seu nervosismo e sua insegurança.

Já não acompanhava mais os passos de Selina, pois não tinha mais forças para isso, mas tinha certeza que ela estava chegando. As antigas recordações a levariam a refazer seus passos de anos atrás e a conduziria até a cascata que encobria aquela gruta em que agora se encontrava. Queria reaver suas memórias, seu passado, a vida que deixara de existir quase seis anos atrás para ser substituída por uma pacata vida de caçadora. Uma vida tranquila, sem preocupações, entretanto uma vida que não condizia com a verdade.

A lua maior já estava alta no céu e a menor já havia apontado por trás das copas das árvores, quando finalmente o momento chegou.

Cibele ouviu passos ecoarem pela caverna, o ruidoso som de minúsculas pedras sendo esmigalhadas sob os pés da recém chegada.

Por um instante, os olhos de Cibele lhe pregaram uma peça e ela viu a criança que Selina fora seis anos atrás, mas então voltou à realidade e encantou-se com o quanto estava diferente, bonita e crescida. Mesmo assim, não teve dificuldade em aceitar o fato de que a jovem na sua frente era a menina a quem, um dia, ela dera os cuidados e o carinho negados por sua tão ocupada mãe, a atenção recusada por seu egoísta irmão, a companhia necessária para afastar a solidão deixada por seu já falecido pai.

Diante dela estava a Princesa Sophia, herdeira do Reino de Sarkhans.

 

♦♦♦

 

Duas Semanas Atrás...

 

As botas de Fannar estalavam no chão de pedra lisa do corredor enquanto ele caminhava a passos largos e decididos rumo ao quartel general do castelo, onde minutos antes solicitara a presença de Sir Craig, atual líder das tropas reais. Desceu até o andar térreo, que era a área destinada às pessoas comuns, soldados e serviçais. Não gostava daquele ambiente, os andares inferiores pareciam-lhe infectos e o ar, poluído. Enquanto percorria os corredores, a criadagem lhe fazia reverências, mais temerosas que respeitosas, e ele retribuía a cortesia com olhares desdenhosos. Achava aquela gente nada mais que patética. Pessoas que não sabem imporem-se. Nasceram mesmo para serem submissos.

 Chegando ao salão de planejamento do quartel, encarou a porta dupla de carvalho onde o brasão da Guarda Real De Sarkhans, o escudo circular com um lírio no centro, fora esculpido na própria madeira. Empurrou-a, dividindo as pétalas da flor ao meio. Ao adentrar o local fechou as portas atrás de si e sentiu-se aliviado. Respirou profundamente, solvendo o ar do local. Aquele sim era um ambiente digno da sua presença, rico e luxuoso, com grandes janelas que iluminavam adequadamente o lugar, além de oferecer uma belíssima vista para o jardim lateral do castelo. As paredes interiores do salão eram enfeitadas com várias tapeçarias, onde inúmeros feitos de grandes heróis eram representados. Exatamente na frente da porta de entrada encontrava-se a grandiosa imagem de Egon, o Deus Guerreiro, uma escultura de mármore que vigiava todos do alto de seus quatro metros e meio de altura. A mobília no interior do aposento constava apenas de algumas estantes cheias de livros bélicos sobre estratégias de guerra e táticas militares e uma grande mesa redonda com várias cadeiras a sua volta. A parte central do tampo da mesa era giratória. Nela estava retratado um mapa perfeito de todo o continente de Mertuny, com todos os seus detalhes trabalhados na madeira, desde as grandes cadeias montanhosas em alto relevo, até pequenos rios representados por finos entalhes pintados de azul.

Assim que entrou, avistou Sir Craig, vestido em sua armadura acobreada, com o tronco levemente curvado para frente e o punho serrado sobre o peito e notou a diferença em relação às saudações que recebera anteriormente. Essa sim é uma boa reverência, respeitosa em vez de acovardada. Aquele era um dos poucos por quem Lorde Fannar tinha alguma consideração. Era um bom general, além disso, era fiel ao Grande Mago.

O cavaleiro endireitou-se e apresentou ao mago uma cadeira com o encosto ridiculamente alto, a única que se diferenciava das demais. Fannar sentou-se e Sir Craig permaneceu de pé ao seu lado, com as mãos atrás de si sob a capa branca que lhe cobria as costas.

Com um gesto rápido, o mago girou o mapa até que ficasse em frente à parte que representava o leste do continente.

– Seus homens já estão prontos para partir, Sir? – Fannar inquiriu, sem tirar a vista da mesa.

– Sim, milorde. Destaquei um pequeno grupo, como o senhor recomendou. Todos homens discretos e leais que seguirão as ordens que lhes forem dadas. Estamos aguardando apenas sua ordem final para pormos o plano em ação.

– Perfeito. – apontou um pequeno ponto no mapa. – Conhece este lugar, Sir? É aqui que vamos agir.

Sir Craig esticou o pescoço para ver melhor o local indicado e logo o reconheceu.

– Ah, aí é Zafira, a vila dos caçadores, estou certo?

– Exato. E é neste vilarejo que creio estar o homem que mantém nossa princesa cativa. Estive pesquisando sobre a raptora de sua alteza e descobri que o único parente que ainda possui é o líder desta vila de caçadores. Você e seu grupo devem partir imediatamente para lá a fim de resgatá-la. Eu também irei para o local, mas só depois, pois irei voando. Quero que enviem um falcão periodicamente para que possa cronometrar minha chegada à vila no mesmo dia que a da sua tropa. Entretanto, quero sigilo absoluto quanto a essa ação. Para todos os efeitos, a princesa nunca saiu de dentro das muralhas deste castelo. Vocês irão e trarão os dois, a princesa e o velho caçador. Obviamente, nenhum dano deve ser causado a vossa alteza. Também preciso do velho vivo, mas não necessariamente ileso.

– Suas ordens serão cumpridas, milorde. Tratarei imediatamente da nossa partida. Com sua licença, senhor. – e saiu a passos firmes, com a capa ondulando atrás de si. Fannar permaneceu no aposento por mais tempo.

Ao sair do salão Craig não notou a sombra que espreitava por detrás de uma das muitas colunas de ornavam o corredor. Quando considerou seguro, a figura sombria saiu do seu esconderijo e correu na direção oposta a que o cavaleiro tinha seguido.

Ainda dentro do salão de planejamento, Fannar continuava sentado no mesmo lugar e na mesma posição. A única diferença era que agora ele tinha nas mãos um cristal vermelho, o qual examinava. O objeto emitia uma cálida luz avermelhada. Em apenas um de suas faces essa luz vibrava mais fortemente e movia-se de um lado para o outro em curtos intervalos de tempo. O mago ostentava um sorriso nos lábios.

– Isso, minha querida. Vá e alerte-os. Vejamos como eles tentarão esconder a princesa. 


Continua...


Notas Finais


GLOSSÁRIO
[1] Alquimista (mago do conhecimento): São pessoas dotadas poderes mágicos, assim como os magos. Entretanto, os alquimistas baseiam sua magia apenas na manipulação da matéria, ou seja, não podem criar magia sem alguma matéria já existente.
[2] Magia: Arte que consiste em produzir e/ou manipular livremente a matéria. Para que seja realizada é necessária a união de dois componentes: a energia (ou poder mágico) e a matéria (ou elemento) a ser manipulada. Os magos contam com certa quantidade de poder mágico e de algum elemento específico em seu próprio corpo, portanto podem fazer magia livremente controlando as duas partes. Os alquimistas também são dotados de poder mágico, mas em quantidade muito inferior à dos magos. Além disso, não possuem nenhum elemento já inserido em seus corpos (têm que usar a matéria do ambiente). Por isso sua magia é, de certa forma, limitada. Devido a esse fato a alcunha “falso mago” é comumente dada aos alquimistas.
[3] Magia de invocação: Magia que consiste em criar um ser ilusório a partir do pensamento do mago/alquimista. Neste caso, o próprio pensamento é o elemento manipulado.
[4] Magia cognitiva: Magia que tem como fundamento alterar a cognição do indivíduo, induzindo-o a perceber o mundo ao seu redor de forma diferente da realidade. Um mago/alquimista poderoso pode ser capaz, inclusive, de alterar as memórias de uma pessoa.
[5] Pedra Zerion: Um instrumento amplamente usado pelos alquimistas. Cada pedra funciona como uma fonte ilimitada de energia e de elemento, agindo como um amplificador mágico. Um alquimista com uma pedra Zerion pode ser tão ou até mais forte que um mago.

Espero que tenham gostado. Aguardo comentários, críticas e sugestões (principalmente para esse "Sir", eu queria usar outra terminologia...)


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...