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História Entre Sem Bater - Capítulo 11 - Mesmo quando o passado volta a bater em sua po


Escrita por: andreiakennen

Notas do Autor


Obs: Esse arco do passado do Caio será narrado em terceira pessoa para que vocês leitores tenham um panorama geral de tudo que ocorreu, depois a história volta para narrativa em primeira pessoa.
* Capa do capítulo será a capa da fic editada para ir para o Wattpad.

Capítulo 11 - Capítulo 11 - Mesmo quando o passado volta a bater em sua po


Fanfic / Fanfiction Entre Sem Bater - Capítulo 11 - Mesmo quando o passado volta a bater em sua po

Obs: Esse arco do passado do Caio será narrado em terceira pessoa para que vocês leitores tenham um panorama geral de tudo que ocorreu, depois a história volta para narrativa em primeira pessoa. 

 

Entre Sem Bater

Por Andréia Kennen

Capítulo 11

Mesmo quando o passado volta a bater em sua porta?

 

Francisco Beltrão, Paraná, quatro anos atrás.

Às vezes parece tão longe.

Eu digo “alô”, mas ninguém responde.

Eu entro no meu quarto, eu fecho a porta,

Mas parece que o céu está de bronze.

Eu digo: Deus, o que será que aconteceu?

Mas o Teu silêncio é pra me fazer crescer...

E entender que Deus tem: Seu tempo! Seu jeito! Seu reino (1)![1]

 

O som do hino ressoava harmônico pela igreja. Era confortável ouvir todas aquelas vozes juntas, cantando e exaltando a Deus.

Os pais sempre foram ativos na religião. As atividades do templo faziam parte da rotina deles tal como o trabalho, os serviços domésticos e o estudo. Por isso, o pai e a mãe eram figuras conhecidas na igreja.

E o casal não era ativo somente nos cultos, mas faziam parte da administração e da organização dos eventos, retiros e grupos de louvor e adoração. Além disso, o pai tocava e cantava, enquanto a mãe auxiliava os ministérios. E, para finalizar, em conjunto, os dois davam palestra para casais.

Certamente, o sonho desse casal religioso era que, o único filho, nascido e criado dentro dos ensinamentos de Deus, assumisse o Ministério de Jovens em alguns meses, quando fizesse dezesseis anos, para que ele se firmasse no mesmo caminho que ambos os progenitores trilharam pela vida toda e até aquele momento.  

Porém, a mãe de Caio, dona Suzana, havia algum tempo que vinha duvidando da vocação do filho para assumir aquele compromisso com a igreja, pois o percebia pouco interessado. Mas o pai, senhor Edvaldo, pensava o oposto da mulher e sempre saía em defesa do menino, argumentando que era coisa da idade, que Caio nunca dera trabalho, era quieto, estudioso, responsável e que era coisa de mãe se preocupar demais.

Aquela diferença de interesse, para o pai, era algo até explicado pela natureza de homens e mulheres. Para ele, que era médico, clínico geral há dezoito anos, as mulheres eram proativas desde muito cedo devido seus genes e, por isso, assumiam grandes responsabilidades ainda meninas. No entanto, era da natureza do homem demorar mais tempo para amadurecer e demonstrar interesse em coisas importantes ou até mesmo no futuro.

Por isso o senhor Edvaldo afirmava que, quando chegasse o momento certo, o filho cresceria e a educação dada por eles prevaleceria. Caio demonstraria o interesse necessário para assumir o Ministério de Jovens da igreja, tomaria em compromisso uma boa garota e enfim daria os primeiros passos para se tornar um adulto em Deus.

A mãe, dona Suzana, aquariana arredia, que não era nada paciente, respirava fundo nessas ocasiões e apenas respondia ao marido que continuaria orando para que Deus o escutasse e que aquele “amadurecimento” chegasse em três meses, quando Caio completasse a idade necessária para assumir o ministério.    

Mesmo sendo verão em Francisco Beltrão o clima continuava ameno. As férias de fim de ano estavam chegando e a última coisa que Caio queria no momento era pensar em assumir responsabilidades extras além da escola e o cursinho de inglês. O que ele desejava de verdade e, aquilo com o que vinha sonhando havia dias, era fazer algo diferente de sua rotina naquele verão.

Todavia, o retiro da igreja com a família estava marcado para o fim do ano, enquanto o amigo Cassiano preparava as malas para viajar para sua Terra Natal, a Argentina, assim como a maioria dos seus colegas de classe, que tinham como destino naquelas férias: fazendas, praias e até outros países.

Ele não.

Seu destino seria mais um fim de ano na fazenda do pastor Emanuel.

Não que achasse ruim. O clima do lugar era muito agradável, tinha piscina, campo de futebol, parquinho para as crianças, pomar, quiosques com churrasqueiras e, fora o primeiro dia que passariam em jejum, sabia que depois haveria muita fartura de comida, da melhor que tinha.

Lógico que entre os adolescentes rolaria algumas paqueras. Os pais fingiriam que nada viam, apenas vigiariam às espreitas, para terem certeza de que não passariam do limite, afinal, aqueles encontros eram cruciais para que os mais jovens se conhecessem melhor e mais tarde pudessem firmar compromisso com os membros da própria igreja.

“Os jovens nascidos e criados dentro da religião precisam casar com membros da religião”, era o que os pais tinham orgulho de expor.

Os jovens casavam muito cedo, entre os dezoito e vinte e cinco anos. Não eram permitidas relações fora do casamento, por isso casar-se era praticamente uma necessidade para ambos os sexos.

As conversas dos colegas da igreja da sua idade em relação a esse assunto eram as mais estranhas possíveis: alguns queriam se casar logo, pois tinham medo de serem arrebatados (2)[2] virgens e não terem a oportunidade de conhecerem e tocarem o corpo de uma mulher. Outros diziam que seria um privilégio morrer virgens, porque seguiriam puros para Nova Jerusalém, assim como chegaram a Terra.

Caio, no entanto, tinha pensamentos diferentes. Não acreditava ser certo casar-se apenas por interesse, seja ele qual fosse: ter uma relação adequada conforme rege os mandamentos da igreja ou saber qual é a sensação de ver e tocar o corpo nu de uma garota.

Além disso, ele não tinha o interesse de ver como era o corpo de uma garota ou como o ato sexual se dava, pois ele havia sanado sua curiosidade fazia algum tempo.

Apesar de Caio estudar em uma escola evangélica, tinha muitos colegas que não seguiam a religião, ou os pais não eram religiosos fervorosos, por influência deles, acabara tendo acesso a conteúdo para adultos quando tinha apenas doze anos, porque alguns desses colegas aprenderam a burlar a segurança da internet e acessar sites com conteúdo erótico na escola.

Não tivera acesso somente as imagens que os amigos conseguiam acessar na sala de Informática, seu amigo Cassiano tinha o mais variado acervo de vídeos salvos no computador. Os pais de Cassiano estavam passando por uma crise no casamento e, absorvidos com seus próprios problemas, despreocuparam-se do único filho. Fato que abriu margem para que Cass — o apelido carinhoso que era usado somente por Caio, pois “Cassiano” era o apelido para o nome verdadeiro do rapaz: Cássio Fabiano — fizesse o que bem entendesse, incluindo ter acesso aquele tipo de informação cedo.

Na verdade, aquela altura, não compartilhava apenas do conteúdo virtual, mas das experiências reais de Cassiano. O amigo sempre fora precoce e graças as rédeas frouxas dos pais ele teve sua primeira relação sexual pouco antes de completar quatorze anos.

Por isso que, para Caio, suas informações de vida convergiam com as da igreja. Era certo, porém, que se os pais soubessem que ele era instruído por Cassiano em assuntos considerados “mundanos” pela igreja, teriam um colapso e poderiam proibi-lo de continuar sua amizade com o argentino. Por esse motivo tinha todo o cuidado para que eles não desconfiassem.

 Diferente do melhor amigo e, mesmo com a insistência Cass e de alguns colegas da escola, que queria apresentar “amigas que fariam qualquer coisa” com ele por considerá-lo bonito, Caio preferiu manter-se abstenho para evitar chamar atenção dos pais para si, ao menos, era o que acreditava justificar seu desinteresse em ter relações.

Ademais, ainda era religioso e, para quebrar seu vínculo com a religião e ir contra os ensinamentos que aprendera até então, teria que ser por algo que considerasse valer a pena. Por algo que o fizesse desejar ser arrastado para fora. Não somente para sanar uma mera necessidade do corpo.

Uma necessidade que, se ele parasse para pensar, na verdade, não havia despertado. Mesmo tendo acesso as histórias, vídeos e imagens eróticas do amigo, não conseguiu sentir-se motivado ou “excitado”, como Cass costumava nomear, para querer ter aquele tipo de experiência.

Da mesma forma que seus desejos não foram despertos ao ter conhecimento de como o ato sexual funcionava, não tinha curiosidade em casar com uma das garotas da sua igreja apenas para ter aquele conhecimento.

De qualquer forma, sabia que a Rebeca, filho dos Martins, estava de olho nele. Os pais dela viviam conversando com seus pais e ambas as famílias pareciam fazer “gosto” para a possibilidade de união.

Rebeca era a filha do meio da dona Isaura e do senhor Henrique. A filha mais velha deles, Natália, era casada há quatro anos e tinha um bebê de dois. O caçula da família era o Maurinho, ainda criança, apenas oito anos, por isso a preocupação dos comerciantes da região era com a filha do meio. Rebeca estava com quinze anos e tanto o pai quanto a mãe achavam que era o momento dela escolher um bom rapaz para que pudessem começar a programar o casamento, que deveria acontecer no máximo em cinco anos.

Caio sabia que os pais de ambos faziam gosto não somente por eles serem da religião, mas porque as duas famílias possuíam um poder aquisitivo razoáveis. Os Martins eram donos de uma pequena rede supermercados com cinco filiais espalhadas pela cidade, além da matriz no bairro que moravam. O pai de Caio era médico e a mãe psicóloga, os dois eram concursados da prefeitura e atendiam em convênios particulares. As duas famílias deram uma educação de qualidade para seus filhos. Ou seja, a pressão para a união não era indireta, era bem direta mesmo.

A mãe de Caio falava abertamente que no retiro daquele ano o filho deveria se posicionar com relação aquelas duas situações: pedir aos pais da Rebeca permissão para namorá-la e declarar ao grupo de ministros o interesse em assumir o ministério dos jovens.

Pensar em tudo aquilo quando tudo que Caio queria era uma viagem de férias divertida e tranquila, era dolorido.

O louvor parou e, depois dessa pausa, recomeçou uma forte aclamação onde todos os presentes gritavam com fervor “Aleluia, Senhor” e “Amém” enquanto o pastor regia as palavras finais.

O culto daquela manhã de domingo deu-se por encerrado e Caio esparramou-se na cadeira e ali ficou. Sentia suas entranhas entrarem em atrito tanta era sua fome. Seus pais eram sempre os últimos a deixar a igreja. O pai estava conversando empolgado com o pastor e dois ministros, enquanto a mãe conversava com a nova amiga e vizinha a Mariana.

A Mariana era uma mulher que aparentava ser bem jovem, em torno de uns vinte um ou vinte e dois anos, mas Caio sabia que ela era bem mais velha que sua aparência dizia, talvez estivesse beirando os trinta ou até tivesse ultrapassado.

Mariana e o marido, chamado Denis, mudaram-se para casa que fora construída ao lado da deles fazia menos de um ano. E, graças as especulações da sua mãe, Caio soubera que os dois também trabalhavam na área da saúde, o marido era dentista e ela pediatra. O casal se conheceu na faculdade, onde começaram a namorar. Somente depois de oito anos de casados eles conseguiram construir a casa do jeito que queriam naquele bairro que era considerado uma área nobre da cidade. Agora os dois estavam tentando ter o primeiro filho, pelo menos, era o que Mariana dizia.  

Sabia que a vizinha vinha passando por um período delicado por não conseguir engravidar e era sua mãe, como conselheira de casais da igreja, quem estava orientando-a na questão.

Ainda existia um fator considerado deveras agravante: o marido de Mariana estava afastado da igreja.

Por todos esses motivos, que a mãe de Caio, dona Suzana, que se considerava habilitada em questões que envolviam o casamento, estava dando conselhos para que Mariana se mantivesse firme e que não deixasse o “inimigo” (as forças malignas; o demônio) desanimá-la. Que ela deveria continuar tentando convencer Denis a voltar para igreja e participar das reuniões de casais ministrada por ela e o marido. Ressaltava que ela como esposa em Deus deveria ser o lado forte da relação, agir em prol de recuperá-la e não deixar que Denis se afastasse mais, principalmente naquele momento que era propício ao pecado, por ser a época de festividades de fim de ano.

Obviamente, mesmo ouvindo tudo, Caio era deixado de fora daquele assunto, mas não precisava estar dentro para ter uma visão melhor que os adultos tinham sobre a situação.

Conseguia enxergar perfeitamente bem, graças a sua convivência com Cassiano, que o marido de Mariana havia se desgarrado completamente da igreja e que ele não tinha intenção de voltar. Bastava observar a forma como ele vinha se vestindo, o jeito que ele gostava de músicas altas no carro, do churrasco nos fins de semana, das bebidas e da preocupação com o corpo.

— Oi? — o comprimento repentino tirou Caio dos seus devaneios e o fez mudar a atenção da conversa da mãe e da vizinha para a menina que havia parado diante dele. — Tudo bem, Caio?

— Oi, Rebeca. Sim e você?

— Já disse que pode me chamar só de “Beca”.

— Eu esqueço — desculpou-se, apesar de não ser uma verdade. Caio não a chamava pelo apelido, pois não tinha intenção de estreitar a intimidade entre eles.

— Bobo. E sim, eu estou bem — ela confirmou sorrindo, soltando uma das mãos da bíblia que carregava diante do corpo para ajeitar uma mexa do cabelo encaracolado atrás da orelha. — Você vai para o retiro, não é?

Caio achou uma pergunta bem sem noção, pois era óbvio que ele iria. Todos os anos ele estava no retiro, e em todos os retiros do ano ele também estava. Talvez fosse a fome que estava adensando seu mau-humor, mas não queria conversar, por isso tentou dar uma resposta mínima, sem soar grosseiro.

— Aham — confirmou. — E você?

De repente, os olhos castanhos esverdeados ganharam um brilho extra e o sorriso de Rebeca se agigantou no rosto de um jeito que Caio acabou se constrangendo. Era como se ela quisesse mesmo ter certeza que ele não falharia naquele encontro, o qual parecia ser somente deles.

— Eu também — ela afirmou com um suspiro. — Na verdade, estou muito ansiosa. Não via a hora desse dia chegar.

Era exatamente como ele tinha pensado, Rebeca parecia mesmo ansiosa. E deduzia que era por ela — e todos ao seu redor — acreditar que naquele ano firmariam compromisso.

Sentiu-se um pouco culpado por não corresponder a empolgação da garota, mas procurou manter a cordialidade.  

— Que bom.

Houve um silêncio após aquela fala e Caio estava pensando em entrar em uma pauta qualquer, apenas para fugir daquele silêncio incômodo, quando a dona Isaura chamou a filha.

— Vocês terão muito tempo para ficar papeando no retiro — ela deu um sorrisinho cúmplice para filha. — Vamos, minha filha.

— Ai, mãe. Desculpa, Caio? — ela pediu, envergonhada pela observação bem sugestiva da mãe. — A minha mãe é tão sem graça.

— Tudo bem. Eu queria que os meus pais tivessem me chamando para ir embora também. Estou morto de forme.

Ela sorriu e assentiu.

— A gente se vê.

— Tá — acenou.

Caio ficou observando as costas da Rebeca enquanto ela ia embora, os cabelos negros e encaracolados chegavam a cintura. Ela não era tão magra, tinha um corpo bem volumoso, os seios grandes, o quadril também e a cintura fina. Os lábios bem desenhados e carnudos. A mistura da mãe negra e do pai branco rendera aos filhos do casal um tom de pele moreno rosado que Caio considerava perfeito. Sempre sentira atração pela cor morena, talvez por ser muito branco e não conseguir enxergar beleza em algo sem cor.

Também tinha a impressão que Rebeca era mais alta, talvez devido aos calçados de salto que ela sempre usava. Rebeca era bonita, atraente, educada, de família nobre e se vestia bem. Muitos garotos da igreja tinham interesse nela. Principalmente os que queriam ter “aquele” conhecimento. Mesmo assim, ele não conseguia se sentir atraído por ela.

Suspirou consternado em pensar que seriam obrigados a firmarem compromisso no final daquele ano.

“Talvez, quando estivermos juntos, e eu conhecê-la melhor, meu interesse desperte”, pensou, começando a se resignar com a ideia. “Eu não tenho mesmo para onde fugir”.

...

No carro, dona Suzana foi com a vizinha no banco de trás e Caio estava com o pai no banco da frente. A mãe convidara Mariana para ir com eles, visto que o marido da vizinha não estava mais frequentando a igreja. A verdade era que, desde que eles haviam mudado para o lado da sua casa, Caio nunca vira Denis na igreja. Por isso, tinha suas dúvidas se o marido de Mariana fora mesmo da igreja algum dia ou esse era apenas um desejo dela.

Mas, bastou entrarem no carro, e o assunto das duas mudou bruscamente para a Rebeca e ele.

— Sim, Suzana, tem toda razão, a filha dos Martins é linda, por Deus. Tem o rosto de uma boneca! E aquele corpo de dar inveja em qualquer mulher adulta? E eu vi os dois conversando, viu, Caio — ela cutucou o braço do adolescente sentado no banco da frente. — Formam um lindo casal. Parabéns pela escolha.  

— Eu não disse? — a mãe quem respondeu pelo filho, assentindo, toda orgulhosa. — E, se o Caio Henrique se posicionar, Mariana, os dois irão começar o namoro nesse fim de ano. Se nosso santo Deus permitir.

— Ele quer sim, irmã. Tenha fé.

— Sim. Eu sei que ele quer.

— Mãe, por favor, falar de mim é vergonhoso.

— Que “vergonhoso”, o quê, Caio Henrique? Pare com isso, pelo amor do nosso Senhor. Nem parece que é homem. Edvaldo, você está ouvindo seu filho?

— Calma, meu amor. Calma — o pai respondeu, na sua comum paciência. — Mulheres são tão afobadas. O Caio sabe o que tem que fazer e no momento certo Deus irá agir no coração dele. Para com essa pressão. Você está intimidando ele, não é, Caio?

— É, pai — respondeu meio sem graça, não tendo certeza se aquela fala do mais velho era um apoio ou uma pressão maior.

— Viu?

— Não vi nada, Edvaldo. Por enquanto, ainda, nada.

Mariana riu, achando divertida a interação da família e suspirou, sentindo-se entristecida.

— Ah, isso é tão bom. Acho que sem filhos nenhuma família está completa. Quero muito que meu filho venha logo.

— Estamos orando, minha querida — dona Suzana apanhou a mão da vizinha na sua, apertando-a e transmitindo força. — Deus está preparando, ele virá com a graça do nosso senhor, você verá.

Caio voltou sua atenção para o vidro fechado da janela do carro, querendo desligar sua mente daquelas conversas aleatórias. As duas mulheres continuaram conversando no banco de trás enquanto o pai passara a tagarelar sobre o culto daquela manhã, e ele apenas resmungava em concordância para o mais velho.

O dia estava bonito, o sol brilhava alto no céu de um azul límpido, sem nuvens, tornando mais formosa a paisagem moldada por imensas casas nobres, ruas limpas e arborizadas do bairro onde moravam.

O clima do lado de fora parecia convidativamente quente naquele domingo, um calor o qual não era permitido sentir graças aos aparelhos de ar-condicionado da igreja, do carro, da sua casa...

  A conversa dos adultos prolongou-se por todo percurso, até que, finalmente, chegaram. O pai deu seta e estacionou o carro na calçada da residência, em seguida desligou o veículo, destravou as portas e permitiu que descessem.

Caio saiu primeiro, querendo desfrutar um pouco do calor gostoso que fazia naquele início de tarde, antes de entrar em casa. Foi quando ouviu o som alto vindo de dentro da casa da Mariana. Curioso, aproximou-se devagar do portão aberto e viu que o barulho do que parecia ser Funk vinha do carro do Denis. A água com sabão que escorria de dentro da garagem para calçada era da mangueira que o vizinho usava para lavar o veículo e o cachorro que brincava e latia ao lado dele, tentando morder a água que jorrava, quase se sufocando com ela. Os dois pareciam estar se divertindo bastante e Caio sorriu.

— Está querendo morrer, Brutus!

O animal, que era um Labrador da cor cinza e de olhos azuis, deu duas longas latidas em resposta a observação do dono e Denis caiu na gargalhada.

Caio observou o vizinho que estava de óculos escuros espelhados, vestia uma sunga preta de banho bem pequena, pois a poupa das nádegas dele estavam marcadas. Além de a camisa regata branca que, por estar molhada, aderira sua pele, destacando os músculos trabalhados na academia.

Caio comparou mentalmente o vizinho com aqueles modelos de roupa íntima. Também era do seu conhecimento que eles tinham uma piscina enorme no fundo da casa e, certamente, Denis estava tentando aproveitar o domingo da melhor maneira.

— Oi, Caio — foi notado. — Quer tomar banho de piscina?

O adolescente olhou para o pai que vinha atrás dele, mas bastou o olhar sério e endurecido do mais velho para entender que não podia.

— Vamos almoçar agora, Denis — o próprio senhor Edvaldo deu a resposta. — Outra hora ele vai.

— Não seja por isso, estou queimando uma carne na churrasqueira lá nos fundos, se estiverem servidos...

— Obrigado, meu filho, hoje vamos dispensar a carne.   

Mariana surgiu no portão da casa dela e assumindo uma expressão de horror, passou a bronquear com o marido ali mesmo.

— Amor, que trajes são esses pelo amor de Deus?

— Ué? Sunga de banho — ele respondeu tranquilamente. — Ou você queria que eu entrasse na piscina de terno, coração?

— Você é tão engraçadinho, Denis — ela resmungou e se voltou para os vizinhos. — Obrigada pela carona, Edvaldo, Suzana. Desculpem o meu marido, vou pedir para que ele abaixe o som e feche a garagem.

— Fique tranquila, minha filha. Tenha um ótimo domingo — disse o senhor Edvaldo, voltando para o carro para poder guardá-lo na garagem.

— Se precisar de alguma coisa estaremos aqui do lado, Mari. Tenha um bom domingo. Eu vou preparar o almoço aqui de casa — disse Suzana, após apertar a mão da amiga mais uma vez, como se quisesse transmitir um pouco mais de força. Em seguida, ela entrou na residência, depois que o marido acionou a elevação do portão eletrônico.

— Para vocês também, um ótimo domingo. — Mariana se despediu acenando. — Obrigada de novo pela carona — agradeceu aos vizinhos e voltou-se para bronquear mais uma vez com o marido por ele tentar agarrá-la ao passar por ele. — Para com isso, Denis! Acabei de vir da igreja e você ouvindo essas músicas. Ainda por cima está bebendo? — ela apontou as latinhas no chão da garagem. — Meu Deus, Denis. Que atitudes são essa? Abaixa esse som, por favor.

— Minha nossa, você nem parece mais minha esposa, Mari! Parece minha mãe. Eu bebi só duas latinhas, e hoje é domingo, dia de relaxar. E o som nem está tão alto assim. Só porque estava na igreja precisa voltar tão chata desse jeito?

— Eu estou com dor de cabeça — ela justificou e seguiu pisando duro para dentro da casa. — E abaixe logo esse som! — gritou, batendo a porta ao entrar.   

— Vai para igreja e volta com o diabo no corpo — Denis comentou baixinho, batendo a mão aos longos do corpo e balançando a cabeça negativamente.

Girou nos calcanhares e notou que o filho dos vizinhos ainda estava ali, olhando-o pelas grades do portão. Subiu os óculos para cima da cabeça e sorriu para ele.

— Tem certeza que não quer tomar banho de piscina, garotão? Estou sem companhia agora, a mulher emburrou. E você está precisando de um sol, olha como está branquelo, Caio!

— Ah, bem que queria — respondeu rápido, tentando esconder a vergonha por ter sido flagrado ainda espiando. — Mas meus pais não deixaram.

— Fala com eles de novo, qualquer coisa, é só chegar.

— Tá. Obrigado, Denis.

O vizinho piscou um dos olhos para o rapaz e baixou de novo os óculos escuros para face, passando a mover o corpo moreno bronzeado de um jeito sensual, ao ritmo da música que se iniciava.

— Olha, essa é a nossa música favorita, não é, Brutus?

O cachorro Labrador latiu animado, pulando e batendo as grandes patas no peito do dono, tentando lamber a face dele. Caio sorriu novamente e se retirou.

Era óbvio que não podia insistir com aquele pedido para os pais, pois eles acabariam pegando raiva do vizinho por estar tentando “desencaminhá-lo” e, de forma alguma, não queria que isso acontecesse.

...

Subiu para o quarto depois do almoço. Dali ainda dava para ouvir o som da casa vizinha, mas estava bem mais baixo que antes. Resolveu espiar pela janela e viu Denis esparramado na cadeira de tomar sol na beira da piscina, só de sunga e sozinho. A pele bronzeada estava reluzindo no brilho do sol forte. Havia mais algumas latas de cerveja em volta da cadeira, mas ele parecia ter pegado no sono.

A água da piscina era tão cristalina que produzia reflexos ofuscantes, parecendo muito convidativa.

Caio tinha comido bastante, por isso começou a sentir sono. A verdade era que queria estar lá, daquele lado, queimando no sol, de forma despreocupada depois de tomar um banho maravilhoso de piscina com o Denis.

Saiu da janela e retirou a camisa e a bermuda que vestia. Olhou seu corpo franzino refletido no espelho da parede, a pele branca demais, o torso reto, os mamilos eram duas verruguinhas de tão pequenos, nem dava para ver direito.  Não tinha nada a ver com o corpo do homem lá fora.

Voltou para janela e ficou admirando “a paisagem” por mais um tempo, sentindo-se invadido por algo estranho, novo, que imaginava ser inveja. Até o sono bater com força e fazê-lo fechar a janela, ligar o ar, trancar a porta do seu quarto e deitar.

Dormiu a tarde inteira e teve sonhos estranhos. O mais estranho de todos envolvia Denis e ele. Estavam na piscina da casa do vizinho e Caio acabava confessando que sentia inveja do corpo dele, da cor bronzeada de sua pele, dos músculos trabalhados. Em resposta, Denis dava uma risada gostosa, de um jeito sedutor. Então se seguiu a parte estranha do sonho: o vizinho apanhava sua mão e fazia-o tocá-lo, dizendo com uma voz rouca, que a melhor parte era sentir a maciez da sua pele, enquanto fazia seus dedos deslizaram por seu tórax, descer pela barriga até repousar no membro coberto pela sunga.

Fora a primeira vez na sua adolescência que um sonho fizera-o acordar transpirando, ofegando e sentindo o membro entre suas pernas tão rijo que doía. Não pensou duas vezes em enfiar a mão dentro da roupa intima e apalpar com cuidado o sexo intumescido, assustando-se com aquele volume. Virou-se de bruços rapidamente, obrigando-se a fazer uma massagem na região e se aliviar daquela tensão, mas quando se deu conta, estava gozando. Abafou o gemido de êxtase enfiando o rosto no travesseiro enquanto era arrebatado pelo êxtase intenso da sua primeira masturbação.

Tirou a mão de dentro da roupa íntima e a trouxe diante dos olhos, assombrando-se com a viscosidade do sêmen em sua mão.

— Deus... — clamou apavorado, dando uma pausa para regularizar a respiração entrecortada. — Eu cometi meu primeiro pecado. 

...

 Arremessou a bolinha de tênis na parede e a apanhou no ar quando foi devolvida pelo impacto, ficou repetindo a brincadeira metódica, sentado no chão, encostado a parede do quarto de Cassiano, enquanto o amigo continuava arrumando a bagagem para viagem.

— No llores, mi amor, yo volveré.

— Não estou chorando, Cass. E você vai voltar quando?   

— Febrero ou principio de marzo.

— Hm.

— No teve aula hoje?

— As aulas estão naquele ritmo que antecede as férias. Tendo conselho de classe, correção de provas, essas coisas. Hoje fomos liberados mais cedo porque os professores estão em reunião.

— Entendo. Y como foi el fin de semana? No. Espere. Lo sei. Igreja con sus padres. 

— Se você sabe que todo domingo vou para igreja com eles, porque fica perguntando?

— Vai que Dios concendeu un milagro y algo diferente sucedeu en su vida, mi amigo.

— Idiota. E você, saiu com a Alana?

— Si, si, si! — Cassiano largou a tarefa e foi sentar-se ao lado do amigo para narrar com empolgação os detalhes do encontro com a nova ficante. — Caiozito, que muher, Dios! Usted no tiene ideia. Ela tiene un corpo con curvas perfectas. Pechos suaves. Ficamos en su próprio quarto e ela fue tirando pieza por pieza de su ropa diante de mi ojos. Fui ao cielo y regresé.

— Que bom para você.

Cassiano revirou os olhos com a reação apática do amigo.

— No tiene gracia decirte essas coisas, Caiozito.

— Por quê? O que você quer que eu faça? Pule de alegria?

— Tiene que dejar de ser virgen isso si, mi amigo. Usted vai ou não llamar aquela chica para sair? Como ela se llama mesmo? 

— Rebeca.

— Isso! Rebeca és um belo nombre — ele pesou, alisando o queixo com uma das mãos.

— Você sabe que não tenho interesse nela, não é? Já te contei isso.

— O problema é este. Usted és mui romântico, Caiozito. Usted piensa em se enamorar. Estas coisas de chicas. Esqueça isto. Esqueça. Apenas siga os desejos de tu cuerpo.

Caio parou. O amigo mencionar “desejos do corpo” o fez recordar do vizinho, do corpo dele bronzeando ao sol e da vontade imensa que sentiu de fazer companhia para ele. Além do sonho que tivera e do fato de ter acordado excitado e ter se masturbado.

Quis contar a Cassiano o que aconteceu. O amigo contava tudo sobre suas aventuras, sentia-se mal em esconder algo daquela intensidade. Mas como contaria ao melhor amigo aquela parte embaraçosa que envolvia o desejo hediondo e sodomita pelo corpo de outro cara?

Ergueu a cabeça e viu que os olhos azuis claros do amigo o encaravam.   

— Lo que?

— Nada — respondeu, franzindo o cenho.

— Como nada? Usted ficou um tanto aéreo do nada.

— Só lembrei que os vizinhos estavam discutindo ontem — mudou de assunto bruscamente. — A Mariana começou a brigar com o marido assim que chegamos da igreja. Acredita que ele estava lavando o carro com o portão da garagem aberto vestindo uma sunga de banho super curta e apertada?

Cassiano riu alto.

— Ih. Yo creo que aquela coca és fanta, Caiozito.

A observação fez Caio encarar o amigo com os olhos arregalados.

— Como assim, Cass? Do que está falando?

— Que este su vizinho tiene tudo que necessita para ser um trolo(3)[3].  

Caio ficou em silêncio por um segundo, mas logo reagiu.

— Não fale merda, Cass. Você está maluco. O Denis é casado.

— Y? — ele ergueu os ombros, levantando-se e voltando a fazer as malas. — La maioria são. Porque são cobardes. No quierem se assumir y serem rechazados por la sociedad.

O rosto de Caio empalideceu, seu coração disparou e ele sentiu a garganta ressecar, ao parar e pensar pela primeira vez naquela possibilidade bizarra.

“Não. Deus não brincaria com um dos seus filhos devotos dessa forma, não é mesmo? Simplesmente não pode acontecer. Eu não poderia ter essa tendência, poderia? Mas, isso explicaria muitas coisas, não? Será? Deus? Será? Será que por um acaso esse seu filho pode ser... gay?”.

Continua...   

 

[1] Tempo de Deus – Kleber Lucas;

[2] Arrebatamento: O Arrebatamento é um conceito que está presente em algumas interpretações da escatologia cristã, inclusive o dispensacionalismo, criadas a partir do século XIX, cujo pontapé inicial foi dado pelo ministro anglicano John Nelson Darby. É uma interpretação de vários livros bíblicos, como por exemplo, o Apocalipse, livro da revelação dada ao apóstolo João sobre o futuro da humanidade. Trata-se de um momento no qual Jesus resgataria os salvos para a Nova Jerusalém, deixando na Terra os demais seres humanos que não o aceitaram como salvador. (fonte: Wikipédia);

[3] Trolo: Forma pejorativa o qual os argentinos usam para chamar os gays. Seria algo como o “bicha” usado por nós brasileiros.


Notas Finais


Já sabem, se puder, comentem! o/


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