As Origens de Sebastian
Capítulo XXI – Epílogo
A Próxima Origem
Paris, França, Século XIX.
Mesmo com os rumores macabros sobre o internato de Saint Louis, em Annecy, Roman decidiu que entregaria seu único filho aos cuidados do lugar.
Evan nascera com uma aparência delicada. Mas para o pai conservador aquilo ainda não era o pior, o filho, que tomara a vida da mulher que amava ao nascer, havia herdado toda a face de Lian.
Quando o filho era apenas um bebê de colo, ainda conseguira lidar com sua presença, eram as empregadas afinal quem tomavam conta do menino. Mas conforme os anos foram se passando e o filho fora crescendo, as evidências de que ele não havia sugado apenas a vida de sua Lian, mas a beleza da própria, tornavam-se mais evidente, fazendo-o tomar asco da presença do próprio filho.
O filho era um homem. Não compreendia como Deus permitia que um macho da espécie humana nascesse dotado de tamanha beleza e delicadeza?
Sentia tanto nojo de Evan que sequer conseguia acompanhá-lo a mesa, ou dedicar horas conversando como pai e filho. Eram totalmente estranhos um para o outro. Roman passou então a ficar dias fora de casa e quando chegava fazia de tudo para não cruzar com o menino.
A bebida tornara-se sua única companheira e refúgio desde que Lian se fora, pois mesmo tentando, não conseguiu encontrar prazer em nenhum leito. Todas as mulheres com quem se deitava não eram capazes de satisfazê-lo.
A única satisfação que encontrava era nas noites em que o álcool dominava por completo seus instintos e o encorajava a invadir o quarto do filho e se contentar através da masturbação enquanto admirava sua face adormecida.
Mas era evidente que aqueles eram somente os primeiros passos que dava rumo a um precipício.
O filho tinha quatro anos quando tiveram contato pela primeira vez. Trouxe para ele de suas viagens um presente de aniversário: uma caixa repleta de brinquedos caríssimos.
A ama e as empregada choraram na ocasião, emocionadas pelo pai finalmente estar demonstrando algum afeto por sua criança, mas o que aquelas mulheres jamais poderiam imaginar é que a boa intenção do homem estava camuflada pelo desejo quase insano de tocar o próprio filho.
Arranjara apenas um pretexto para poder sentir como seria ter Evan em seus braços quando ele viesse agradecê-lo. Mas o agradecimento demorou acontecer, pois o menino nunca demonstrava interesse por nada e com os brinquedos não fora diferente. Mesmo assim, instruído pelas empregadas, ele foi de encontro ao homem mais velho e o agradeceu com um abraço.
Entretanto, o resultado para Roman fora perturbador, principalmente quando o apanhou nos braços e o sentou em seu colo. Desejou tomar a pureza daquele que era sangue do seu sangue naquela mesma noite.
Mas diante dos retratos de Lian espalhados por todas as partes da casa, não teve a coragem necessária para cometer aquela atrocidade e apenas permitiu que seu desejo se aplacasse. Terminou a noite de aniversário do filho sozinho e embriagando em seu quarto.
Começou a temer seus impulsos incestuosos, pedófilos e pervertidos e após uma noitada em uma casa de damas ouviu de um dos clientes sobre o internato de Saint Louis em Annecy.
Uma construção luxuosa nas montanhas, conhecida também como casa de bonecas, devido ao fato de que a maioria dos seus internos eram meninas nobres, de beleza extrema e exuberante. Os pais dessas meninas muitas vezes as enviavam não somente para preservar a integridade delas e evitar que fossem violadas antes de se casarem, mas também para preservarem a estrutura familiar que podia entrar em declínio se algum ente familiar tentasse contra o pudor da criança.
Roman ouvira que o internato era gerenciado por ex-freiras, que eram rígidas na educação das meninas e que a admissão era aceita no colégio somente após entrevista.
Mas, havia um grande problema, seu filho não era uma garota.
“Ele se parece com uma, deveria ao menos tentar” comentou o cliente do bordel naquela ocasião, após ele devolver a foto que havia mostrado do filho.
Sim, não custava tentar, e ele tentou.
Aurora era o nome de uma das instrutoras do colégio de Saint Louis, a mesma que atendera ao chamado de entrevista de Roman. Era uma mulher alta, bem vestida, de óculos, loira e com cabelos bem penteados e presos para trás.
No início da visita ela avaliou a casa do nobre, tomando nota de todos os pertences e avaliando o quanto Roman era mesmo abastado. Ao ter certeza que a riqueza dele correspondia aos critérios do internato, a mulher declarou que queria conhecer a criança candidata ao local.
— Há apenas um pequeno problema, madame. O qual eu não quis relatar antes.
— Problema? Se a criança tiver algum tipo de doença ou deficiência, esqueça. Só lidamos com crianças perfeitamente saudáveis.
— Não, não é nada disso.
— Então diga-me qual é o problema, monsieur.
Apreensivo, o homem tocou a sineta para chamar a ama, que trouxe o filho.
— É melhor que veja com os próprios olhos.
Os olhos azuis escuros de Aurora se arregalaram perante aquela criança. Evan estava usando um conjunto azul claro masculino. Uma das mãos estava segura na da empregada e a outra ele elevara a boca para chupar o dedão.
Aurora aproximou-se devagar, um tanto hipnotizada, e avaliou a criança. Os cabelos eram volumosos e castanhos, porém curtos. E o rosto era certamente o item mais raro e interessante de todo o conjunto. Era uma criança mestiça de alguma cultura asiática e tinha o mesmo rosto que via nas pinturas que enfeitavam as paredes. Um rosto totalmente excêntrico, mas belo e harmônico, com lábios miúdos, rosados e carnudos, nariz pequeno, olhos grandes e puxados, de orbes negros e cílios grossos e compridos, como os de uma verdadeira boneca.
Certamente era um infante deslumbrante. Diferente de todos que apreciara até então.
— Conheci Lian, a minha falecida esposa, em uma viagem de negócios à China. Quando a vi pela primeira vez fiquei hipnotizado, assim como a senhora está no momento. Nunca pensei que seria correspondido por aquela estrangeira de beleza tão diferente dos padrões que eu conhecia. Mas ao descobrir que eu tinha sim uma mísera chance de ser correspondido, me agarrei completamente à ela e só voltei para o meu país quando Lian disse “sim” ao meu pedido de casamento e a família dela permitiu o nosso enlace. Mas o destino é cruel e me tirou Lian assim que ela deu a luz a nossa primeira criança. E agora, por azar do destino, que certamente se regozija ao gozar na minha cara, essa criança é ela por inteiro. Menos na personalidade, óbvio. Evan não tem nada da mãe, que sempre foi tão doce e sorridente. Essa criança quase nunca sorri, fala muito pouco e está sempre sério.
— Desculpe-me, monsieur. Mas por que ela está usando roupas de menino? Foi uma maneira que encontrou de burlar sua atenção?
— Não, madame. Se prestar atenção, vai constatar que este é o problema que mencionei. Evan é um menino.
A revelação fora chocante, pois era a primeira vez que Aurora era tão surpreendida com um candidato. Não havia nenhuma regra no instituto que vedasse a entrada de meninos. Sempre aparecia um interessado ou outro. Mas o fato era que a procura dos pais sempre fora para suas filhas, e acabou que a regra se enraizou por si só.
Respirou fundo. Enfrentaria uma tempestade com as demais colegas do internato, mas o presságio de tempo ruim não dizimou seu interesse repentino naquele belo jovem.
— Ele será criado em um ambiente completamente feminino, terá contato talvez ou somente com garotas. Quem saiba até tenha que se vestir e se comportar como uma. O senhor conhece a fama da nossa casa, não é? O nome “Casa de bonecas” não é meramente ilustrativo, nossas charmosas alunas são verdadeiras peças fabricadas para o deleite dos olhos.
O homem buscou um lenço no bolso com o qual limpou o suor da sua testa, engoliu em seco, olhou novamente a criança que não desgrudara da mão da ama e sentiu a frieza daqueles olhos negros, que o sufocavam devido a inexpressão. Evan era um grande enigma, mas o qual não fazia questão de decifrar.
— Tenho ciência da fama do lugar — volveu para a mulher.
— Isso não preocupa o senhor? Seu filho poderá se tornar de verdade uma boneca.
— Escute, madame. Evan foi criado até agora pela ama e pelas empregadas. Eu acredito que eu estaria fazendo pior se o obrigasse a se adaptar a um ambiente completamente masculino. Talvez fosse até mais perigoso se ele com... essa aparência, tenha que conviver no meio de garotos. Eu acredito que em Saint Louis ele se sentirá mais... confortável. Além de estar bem mais protegido. Fora isso, é temporário, é até ele adquirir consciência do que ele quer. Quando ele tiver consciência para tomar suas próprias decisões e achar que o internato não é o lugar para ele. Eu o acolherei de volta, ou irei remanejá-lo para outra instituição que seja do interesse dele.
A mulher deu um meio sorriso com os lábios estreitados e içou-se da cadeira onde estava sentada, mantendo a postura formal.
— Monsieur Ramon, eu irei aceitar esse desafio.
O pai não conseguiu esconder o alívio.
— Eu não sei como agradecer.
— Nos pagando bem, obviamente. Mas, fora isso, tem um adendo sobre a nossa instituição que precisa saber.
— Sim, madame?
— Nossas garotas recebem propostas de casamento vindo de várias partes do mundo. Seguramente que há um padrão altíssimo nesses pretendentes. Normalmente, eles são autorizados apenas assisti-las de longe, se a família assim consentir. Caso haja interesse de algum nobre em uma das alunas, intermediamos as reuniões com os pais dela primeiro. Na sequência, se os pais permitirem, passamos a intermediar as reuniões entre pretendente e pretendida. Gostamos de pontuar esse detalhe com orgulho, porque muitas de nossas garotas saem do instituto com casamentos milionários marcados. Então, antes de me entregar o contrato assinado, estou explicando esse adendo, com o qual deverá concordar ou não.
— Está brincando comigo, não é, senhora?
— Jamais, monsieur. Estou sendo completamente honesta. E se estou abrindo para o senhor está possibilidade, é que eu acredito na possibilidade de haver busca por ele. Seu filho é um jovem de beleza exuberante. Poder surgir interesse até entre as alunas, não acha?
O homem sentiu o rosto afoguear de constrangimento por ter pensando que a mulher estava querendo que ele a autorizasse a ofertar seu filho para outros homens.
— Ah, sim, compreendi — ele proferiu, respirando com alívio e tentando esconder o constrangimento tratou de concordar. — Claro, claro, sim. Eu concordo. É que ele ainda é uma criança, isso sequer havia passado pela minha cabeça antes.
— Talvez não tenha mesmo passado pela cabeça do senhor. Todavia, é o nosso dever como educadores de elite pensar em todas as possibilidades. Pois essa é a principal diretriz de Saint Louis, prepararmos nossas crianças para o mundo adulto.
— Eu acredito que fiz a melhor escolha — ele estendeu a mão para cumprimentar a educadora, que retirou a luva e correspondeu ao cumprimento com aperto firme.
— Também tenho essa certeza — ela garantiu.
A criança foi passada da mão de sua ama para a da instrutora. Não houve despedida entre o pai e o filho. Mas nem a criança e a instrutora pareceram se importar.
Aurora notou que o menino manteve o semblante sério de antes, mesmo quando se acomodaram na carruagem de frente um para o outro. Teria que investigar a fundo toda a história contada por Roman, pois não acreditara em quase nada do que ele dissera. E o silêncio e a inexpressividade daquele jovem remetiam ao fato claro de que havia algo muito mais macabro envolvendo aqueles dois.
— Sabe, Evan. Você ter sofrido alguma violência não faz a mínima diferença para nós de Saint Louis — ela começou, voltando a repor a luva que havia retirado para a despedida formal. — Afinal, boa parte das crianças que recebemos sofreram algum tipo de abuso, por mais que seus pais nos contem as mais ridículas lorotas. E a nossa real meta é reabitá-los e fazer com que esqueçam a violência e compreendam a arte do amor e um dia retornem dispostos para sociedade. Eu preferi não contar certo detalhe ao seu pai, porque percebi que ele tem bastante apego por você. Mas nós temos sim outros garotos no instituto. Não divulgamos, porque os próprios pais pedem sigilo por terem vergonha pelo fato de terem filhos afeminados. Porém, eles são para mim meus queridinhos. E você será mais um deles, não é?
O garoto permaneceu encarando a instrutora, que arqueou para frente e apanhou o braço do menino, subiu a manga do casaco dele e puxou a pele do antebraço e a torceu em um beliscão. A expressão do menino mudou rapidamente para de dor e ele se encolheu.
— Ai...
— Quando a tia Aurora fizer uma pergunta, meu querido, você deve respondê-la: “Sim, tia Aurora”.
— Sim, tia Aurora.
A mulher soltou do braço da criança e se recompôs, então sorriu ao vê-lo alisar a região onde ela havia beliscado com lágrimas nos olhos.
— Viu como você é capaz de falar e se expressar muito bem? Nada que um pouco de rispidez na educação não promova milagres. Nossa viagem será bem longa, então teremos bastante tempo de nos conhecermos no caminho. Vamos começar por você, conte para tia, como era seu dia a dia naquela enorme mansão — ela pediu, ajeitando os óculos no rosto e forçando o sorriso.
Continua...
Em As Origens de Luke.
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