1. Spirit Fanfics >
  2. Candor Lunar: Livro 2 >
  3. Bianca, A que detém a Tormenta

História Candor Lunar: Livro 2 - Bianca, A que detém a Tormenta


Escrita por: Earendil

Notas do Autor


Olá.

Então, finalmente... as coisas estão acontecendo.

Boa leitura.

Ang.

Capítulo 33 - Bianca, A que detém a Tormenta


Fanfic / Fanfiction Candor Lunar: Livro 2 - Bianca, A que detém a Tormenta

 

À frente deles posicionava-se um colosso. Uma sombra alta como uma montanha. Uma muralha de pedra espessa assomava-se sobre suas cabeças como o maior obstáculo que algum dia já puderam presenciar. Aquele marco divisor, quase imensurável, era a passagem para outro mundo, como um portal que os transportaria para uma dimensão primordial, onde habitavam os de sua raça, onde seus iguais eram selvagens, sombrios e diversos de tudo o que estavam acostumados a ver... e a sentir.

- Espero ter coragem para continuar – sussurrou Kaori que parecia pequena, tímida e indefesa no meio daquele grupo.

- Teve coragem de vir até aqui – respondeu Alec vendo o paredão das rochas através dos olhos de Kaori.

- Vocês podem, por favor, permanecer em silêncio? – chiou Vrau Urban – Estamos às portas de Volterra.

“Me desculpe” – pediu Kaori.

Estavam todos em fila, com as costas coladas na muralha gelada, à sombra da noite, esperando que Lotho lhes abrisse o pesado portão de ferro. Depois disso teriam de se aproximar sorrateiramente do palácio e Charlotte alteraria o feitiço da barreira para permitir que eles entrassem no Castelo, mas que de lá ninguém saísse.

“Se me permitem, há algumas palavras que podem dissipar um pouco o medo de seus corações” – disse Carlisle usando o vínculo mental de Kaori – “É um antigo poema antigo chamado A Carga da Brigada Ligeira de Lord Tennysson.

E assim, no silêncio escuro da madrugada, os bravos viajantes ouviram as palavras de Carlisle, recitadas com coragem e esperança, palavras que vieram para romper o medo naqueles corações fatigados... mas invencíveis.

E foi assim que eles ouviram:

Meia légua, meia légua,
meia légua em frente,
todos no Vale da Morte
cavalgaram com os seiscentos.

“Para a frente a Brigada Ligeira!
Carreguem contra as armas!”, disse ele.
Para o Vale da Morte
cavalgaram os seiscentos

Para a frente a Brigada Ligeira!
Havia algum homem desanimado?
Todavia, o soldado não sabia
De algum que tivesse disparatado.
Eles não têm de responder,
eles não têm de se perguntar,
eles só têm de fazer e de morrer.
Para o Vale da Morte
cavalgaram os seiscentos.

Canhão à direita deles,
canhão à esquerda deles,
canhão à frente deles
saraivaram e trovejaram;
atingidos por balas e obuses,
com audácia eles cavalgaram e bem,
para as mandíbulas da Morte,
para a boca do inferno
cavalgaram os seiscentos.

Reluziram todos os seus sabres despidos,
reluziram ao rodopiarem no ar
sabrando os artilheiros lá
carregando contra um exército, enquanto
todo o Mundo se maravilhava.
Mergulhados no fumo das baterias
através da linha deles romperam a direito;
cossacos e russos
cambaleantes das sabradas
estilhaçaram-se e fenderam-se.
Então eles cavalgaram para trás, mas não,
não os seiscentos.

Canhão à direita deles,
canhão à esquerda deles,
canhão à frente deles
saraivaram e trovejaram;
atingidos por balas e obuses,
enquanto cavalos e heróis caíam,
eles que haviam lutado tão bem
vieram através da mandíbulas da Morte,
de volta da boca do inferno,
tudo o que restava deles,
o que restava dos seiscentos.

Quando irá a sua glória desvanecer-se?
Oh, a carga bravia que eles fizeram!
Todo o Mundo se maravilhou.
Honrem a carga que eles fizeram!
Honrem a Brigada Ligeira,
Nobres seiscentos.

 

Houve silêncio entre eles enquanto as palavras de Carlisle reverberavam em suas mentes; houve silêncio entre os lobos, o poderoso Jacob Black e o inabalável Seth Clearwater. Houve silêncio entre vampiros, o sábio Carlisle, o distante Edward, o vingativo Jasper, o valente Garret, a corajosa Kaori, o sombrio Alec, a feiticeira Charlotte, o antigo Vrau Urban. Ouve silêncio para a pequena Giuliana que ouviu assombrada, pela primeira vez, a voz daquele bondoso vampiro soar apenas em sua mente.

Silenciaram-se os bravos diante da boca da morte, mas não desanimaram. Sua vontade era muito mais forte que seu medo, sua determinação muito mais influente que a desesperança... e eles lutariam, lutariam até a morte e que a história permitisse que seus nomes ecoassem pelas pedras eternas de Volterra. Que aquela muralha fosse sua testemunha e contasse aos passantes nos anos vindouros “Aqui vieram morrer os corajosos, aqui vieram buscar seus amores... aqui está sepultado Carlisle e seus filhos e seus amigos, bravos que jamais esqueceremos”.

E a espera parecia eterna, há poucos minutos Lotho partira, mas esses minutos pareciam horas. Charlotte estava posicionada atrás de Seth, seu sentimento pelo jovem lobo tentando libertar-se de sua razão e avançar em direção ao rapaz. Era incerto o que queria, não compreendia o motivo por aquilo ter acontecido... não entendia o amor, mas sabia que não queria perder Seth. Ele disse que a amava.

“Você está com medo?” – perguntou ela ao lobo através do elo mental que unia a todos, sua voz saiu preocupada e farfalhante.

“Sim” – respondeu Seth sem se virar.

“Pensei que os lobos de La Push não temessem a morte” – riu Charlotte.

“Ah, você se refere a isso? Não, não temo a morte. Temo perder meus amigos... e não poder ficar com você para sempre”.

“Menino bobo” – suspirou Charlotte com o coração apertado.

Poucos longos minutos se passaram até que, finalmente, um rugido alto os despertou com um susto e o portão, lentamente, começou a ser içado; uma pesada e expeça grade de ferro que por si só pesava quase tanto quanto as rochas que formavam a muralha. O portão levantou apenas o suficiente para que uma pessoa passasse com as costas vergadas, do outro lado, do túnel escuro, coisa alguma surgiu, humano ou vampiro, apenas um silêncio sepulcral.

- Acho que é a hora de entrarmos – disse Vrau Urban – Jasper, tranquilize nossa convidada, o coração dela batendo deste jeito pode nos denunciar... não esqueçam que aquele castelo é um túmulo de seres mortos.

E com isso, um a um, os viajantes passaram à sombra da muralha através do portão semilevantado, o coração de Giuliana batendo num compasso ritmado e tranquilo graças à influência de Jasper. O túnel não era longo, tinha uns cinquenta metros (o que, inevitavelmente, demonstrava o quão largo era a muralha), e depois disso alcançaram a claridade de uma rua de pedras iluminada pelos postes de iluminação pública; a luz amarelada mesclava-se a uma neblina leve que se derramou pela cidade; filtrada fantasmagoricamente pelo nevoeiro as ruas pareciam pertencer a outro mundo, como se aquele lugar não fosse o mundo a que eles pertenciam. Volterra, naquele primeiro momento, parecia um lugar de outra dimensão.

O silêncio era completo, os prédios de antigos tijolos a vista os observavam com desconfiança, eles pareciam ser os únicos seres caminhantes por ali até que de uma passagem de dentro do túnel surgiu Lotho... taciturno e levemente preocupado.

- Vamos, não demorem, temos de subir toda a rua lateral até o castelo e depois atravessar os pátios.

- E a barreira? – perguntou Charlotte.

- Próximo ao castelo, estaremos lá daqui a pouco.

 

Não havia qualquer movimento nas ruas, ouviram ao longe em algum apartamento ou casa um aparelho de TV ligado, porém, nas ruas, não havia viva alma caminhando por ali. Aos poucos, subindo a rua, o castelo começou a despontar por entre os prédios e as casas, surgia em meio à neblina com seus montes de torres e telhados brilhantes, imponente, no alto e acima de toda a cidade, olhando-os como um olho que tudo vê... como um olho que tudo vigia.

A aparição do Castelo, crescendo mais e mais, lhes encolheu a coragem de certa forma, olhar aquele que era o símbolo de todo o poder real dos vampiros, encarar aquele gigante de rocha prestes a engoli-los era o mesmo que encarar suas próprias mortes. Era como encarar seus destinos, como visualizar seu fim.

Assim, depois de longos minutos caminhando, Lotho os fez parar, havia outra muralha agora não tão alta quanto a outra, mas igualmente grande e hostil, era a última barragem para a entrada no castelo.

- A barreira está na muralha – disse Lotho num sussurro – Ela impede que qualquer um entre no palácio na ausência dos reis, se quer fazer alguma coisa com ela... faça logo.

O grupo novamente colou as costas junto à muralha ocultando-se na sombra para evitar serem visto por algum esporádico vigilante de dentro; Charlotte aproximou-se e tocou com a palma de sua mãe a rocha gelada e seus olhos fecharam-se com força.

- Não é um encanto complexo – disse a bruxa – Não levará muito tempo para modificá-lo.

Houve um pulso de energia, leve e diáfana, como uma pequena luminescência surgindo entre o contato da mão da bruxa com a rocha da muralha, mesmo para os vampiros foi impossível ver qualquer coisa, porém, os lobos ali presentes, mesmo na forma humana, puderam presenciar um tremor de ar percorrendo toda a extensão da muralha. Foi um leve tremeluzir, como uma corrente de ar cheia de pó fluindo das rochas... e aquilo pareceu ser o suficiente.

- Está feito – declarou Charlotte – Nós entramos... mas ninguém sairá.

- Então vamos – chamou Lotho.

“Charlotte” – chamou Edward pelo elo mental entre eles para que somente a bruxa ouvisse – “Esta barreira poderia impedir que até mesmo Arian, poderoso como ele é, deixasse Volterra?”

“Sim” – tornou a bruxa – “Arian não é um feiticeiro, não conhece a magia... ele não sairia de Volterra, ninguém saíra”.

“Então se libertarmos Arian e ele matar todos nós... mesmo assim não poderá sair desta prisão?”.

“Ele não sairá” – declarou a Charlotte – “Mesmo que Arian mate todo mundo, mesmo que ele destrua todos nós, Volterra, com esta barreira, será a prisão eterna dele”.

“Aro poderá entrar ou modificar o encanto?”

“Não. Aro não é um feiticeiro, nunca foi, nunca será... não passa de um papagaio repetindo encantamentos que meu pai lhe ensinou. Ele chegará aqui, mas daqui não passará. Apenas nós poderemos entrar e sair...”.

“Então, se morrermos lá dentro, Volterra estará selada para sempre e Aro, Caius e Marcus aqui jamais poderão voltar?”.

“Exatamente”.

“Então está bem” – suspirou Edward – “De uma forma ou de outra estaremos ferrando aqueles três desgraçados”.

O Portão Sul da muralha do Castelo era diferente do da muralha externa, não era uma pesada grade de ferro, mas uma alta e espessa porta dupla de carvalho rebitada de aço. Lotho encostou vagarosamente o braço contra a porta e abriu, deu uma olhada rápida para dentro e entrou... voltou poucos segundos depois.

- Venham – chamou ele – O Cavaleiro não está aqui.

Levemente desconfiado, o grupo entrou um a um para dentro do portão e notaram que ali estava um túnel semelhante ao anterior, porém não tão longo, pelo menos uns vinte metros já que a muralha interna era menos espessa que a exterior. Mas estava igualmente escuro ali dentro onde eles amontoaram-se atrás do ferreiro que caminhou com cuidado até a boca do túnel iluminada pelos lampiões nos jardins e nos pátios.

“O que aconteceu ao guarda daqui?” – perguntou Vrau Urban.

“Eu não sei, isso foi coisa de Ícaro e eu não sei o que ele andou armando, tudo o que recebi de instruções era para trazê-los por aqui que o caminho estaria livre”.

“Muito bem” – disse Carlisle – “E agora?”.

“Agora vocês vão seguir por ali” – apontou Lotho para um ponto junto à parede do castelo, atravessando o pátio iluminado antes de culminar em um dos canteiros cheios de flores – “Se chegarem àquela parede, arrastem-se até a porta lateral que dá acesso à ala sul, a ala de serviços. Lá dentro haverá um corredor, peguem à esquerda e sigam até o final. Vocês sairão em um átrio e para o pátio, logo que chegarem vão notar um portal baixo de pedra, uma arcada, ali é a boca das catacumbas. Ali encontrarão a princesa Alice”.

“Você não irá conosco?” – perguntou Edward.

“Eu não sou um lutador, prometi a Ícaro que os colocaria para dentro e o fiz. Cumpri meu papel. Agora estão por conta própria. Boa sorte”.

E dito isso, Lotho simplesmente os deixou ali parados enquanto caminhava indiferente para o lado oposto rumo, provavelmente, a sua forja que ficava em algum lugar. Talvez permanecesse indiferente até que eles saíssem, fossem mortos... ou que Volterra fosse completamente destruída.

“Então?” – chamou Jasper.

“Segurem a respiração, meninos e meninas” – disse Vrau Urban – “E sigam o velho Vrau sem fazer o menor ruído”.

 

Jasper tomou a dianteira e deu uma boa olhada pelo lugar antes de deixar o túnel. O pátio deveria ter uns cento e cinquenta metros até o jardim rodeado por canteiros de flores e só então havia a parede do palácio. Pelos menos quinze lampiões de luz vomitavam na noite uma luminescência dourada e radiante que declararia facilmente qualquer movimento suspeito, mesmo de vampiros correndo a toda sua velocidade. Jasper olhou para o alto das muralhas, mas não viu qualquer vulto de qualquer guarda e as janelas do castelo estavam também escuras e sem sinal de vida.

“Bem, basicamente corremos feito loucos até chegar à parede do castelo e de lá corremos feito loucos até a porta” – disse Jasper – “Vamos fazer o seguinte, eu corro até lá e para a porta deixando-a aberta para facilitar a entrada de vocês”.

E com isso, Jasper, apesar de não precisar, respirou fundo... e correu. Correu como uma brisa rápida, uma leve sombra à luz dos lampiões saltando por sobre os canteiros de flores e aterrissando suavemente no gramado para dali correr para a parede do castelo. Jasper olhou rapidamente para os companheiros e depois adiantou-se para a porta abrindo-a com um leve som da tranca quebrando... a porta cedeu sobre seu impulso e ele entrou rápido; surgiu segundos depois para chamá-los.

Um a um, atiraram-se na noite cruzando o pátio, o jardim e a porta o mais rápido que puderam, com o coração na mão eles pararam dentro da sala escura tentando ouvir se alguém os tinha visto, mas depois de alguns segundos o silêncio sonolento continuava habitando Volterra.

“Continuemos” – disse Edward.

E como dissera Lotho havia de fato um corredor que os levou até outra porta que os conduziu, por fim, novamente a um pequeno átrio que desembocava num pedaço curto de pátio. O grupo parou encolhido no corredor, sentiam-se desprotegidos ali, encurralados num espaço apertado, mas Jasper estava novamente analisando o pátio e já havia visualizado o portal.

“Deve ser lá” – pensou ele para os outros – “O portal que leva às catacumbas, o espaço que nos separa é curto, então fazemos da mesma forma, eu vou primeiro e vocês me seguem um a um para nos fazermos muito barulho”.

Novamente a ansiedade tomou conta deles, estavam prontos para descer às catabumbas... com sorte conseguiriam entrar e sair sem que ninguém os notasse, mas infelizmente todos eles sentiram o peso de estar nas entranhas de Volterra... mesmo os mais corajosos sentiam o medo se apegando a eles como um lodo viscoso, era impossível não sentir um certo temor ali. Estavam no estômago rochoso do Castelo dos Reis, a casa de vampiros... no Reino dos Mortos.

“Estou indo” – disse Jasper.

E foi.

Pisou no pátio silencioso com cuidado, primeiro uma perna e depois a outra... e foi apenas quando firmou o segundo pé que percebeu que estava ferrado.

Jasper não o viu a princípio, mas antes mesmo de virar o rosto sabia que havia alguém ali no pátio; lentamente endireitou o corpo e voltou-se para a esquerda, onde o pátio alargava-se e fluía entre duas partes abertas do castelo... lá, há uns cem metros, um guarda com a roupa escura dos Volturi olhava-o com surpresa.

- Olá – disse Jasper sorrindo – Você poderia me dizer onde fica o banheiro?

- Mas quem diabo é você? – começou a perguntar o guarda dando passos largos em direção à Jasper, mas nem tinha percorrido metade do caminho quando sentiu algo estranho.

Antes mesmo que o guarda tivesse tempo de dizer qualquer coisa, sentiu um desejo imenso de sair correndo dali, um medo terrível o dominou e ele estacou no mesmo lugar sem conseguir se mover... paralisado de pavor. Quando Jasper correu em direção ao guarda, Garret o acompanhou e ambos chegaram quase ao mesmo tempo agarrando o guarda e atirando-o no chão; obviamente, Jasper não estava com tempo para clemências e sem pensar duas vezes arrancou a cabeça do guarda.

Só não contava que o Volturi conseguiria gritar antes disso:

- INTRUSOS – berrou o guarda antes de morrer.

Sua cabeça sem vida nem bem havia quicado direito no chão e alguém surgiu no alto de uma das torres, Jasper olhou-o com raiva, estava longe demais para o alcance de seu dom, mas ele sabia que se tratava de um vampiro e sabia que com a visão de um vampiro tanto ele como Garret estavam sendo tão bem vistos quanto se o sol estive no alto do céu.

- Intrusos no pátio – gritou o guarda da torre e imediatamente vários passos foram ouvidos descende de algum lugar de dentro do palácio.

- Maldição – chiou Jasper – Corram para o portal. AGORA!

Houve um tropel quando todos de uma só vez atiraram-se para o pátio, correndo como alucinados cruzando o espaço que os separava do portal de pedra que marcava a entrada para as catacumbas. Eles ouviam ao longe os guardas correndo até eles, ouviam seus gritos e brados de ordens desencontradas, amontoaram-se ante o portal e sentiram aquele precipício em forma de escada espiralada de pedras ameaçando-os com sua profundidade desconhecida.

- Merda – xingou Jacob – Quem aí tem uma estratégia brilhante na manga para livrar nossa pele?

- Não viemos a Volterra para sobreviver, Jacob – disse Edward de forma sombria – Jasper, eu descerei às catacumbas com Charlotte e Alec... tente conter o que puder.

- Assim será – respondeu Jasper furioso – Tire-a de lá, Edward... eu tomarei conta para que ninguém desça até vocês.

- Ótimo, Charlotte você vem comigo – continuou Edward – E Alec também. Kaori, você vem junto para orientar Alec. Eu levo Giuliana.

A menina humana não entendia o que estava havendo, mas compreendeu que as coisas tinham dado errado, o apavoramento das ações de seus novos amigos lhe mostravam que estavam enrascados.

Logo, num estalo de raiva, um lobo gigantesco surgiu num relâmpago de pelos avermelhados e garras afiadas que rasparam a pedra do pátio impiedosamente. Jacob Black, senhor de La Push, preparava-se para a batalha e nem um segundo depois o outro lobo, pouco menor, já tomava seu lugar ao lado de seu Alfa.

“Seth, vá com Edward” – disse Jacob num rosnado.

“De jeito nenhum vou te deixar aqui lutando sozinho” – respondeu Seth contrariado.

“Não sabemos o que já lá embaixo” – retorquiu o líder – “Além do mais, eu sou capaz de detê-los aqui sem a sua ajuda... vá e auxilie Edward no que puder”.

“Eu não vou te deixar sozinho”

“Seth” – rugiu Jacob na voz do alfa soando como o desmoronamento de uma montanha – “Eu sou seu líder, vai obedecer a mim. Desça até lá e ajude-os no que puder, eu ficarei aqui e deterei a primeira leva. Agora vá!”.

Diante da voz de seu Alfa, Seth não teve escolha a não ser ir. Edward, Charlotte, Kaori, Alec e Giuliana já haviam descido para as profundezas, atravessando o portal e sumindo na escuridão e foi com relutância que Seth os seguiu. Seu corpo de lobo não cabia direito naquele corredor estreio, mas mesmo assim ele olhou uma última vez para a boca do túnel onde seus companheiros ficaram à mercê de uma legião de vampiros... e o jovem lobo se perguntou se algum os veria com vida novamente.

 

O pátio ecoava com o som dos passos apreçados, dezenas de vampiros escoavam das escadarias de dentro do palácio como um enxame desordenado, a noite estava ainda distante de seu fim e aquela noite não tinha jeito de terminar de forma bonita. Mas, ainda assim, aqueles que permaneceram ali resistiriam até o fim.

- Muito bem, é o seguinte – disse Jasper olhando para Carlisle, Garret, Vrau Urban e Jacob Black – Eles ainda não têm certeza de onde estamos ou para onde vamos ou o que queremos. O jeito é tentarmos ludibriá-los e levá-los para outro lugar sem que eles pensem que estávamos interessados nas catacumbas, também não sabem em quantos somos... vamos aos poucos empurrá-los para o pátio aberto e depois nos enfiamos dentro do palácio e tentamos encontrar algum corredor ou lugar estreito o suficiente para criar um gargalo e limitar o ataque. Estamos entendidos?

- Sim – disse Carlisle se preparando.

- Jacob – chamou Jasper – Você é nossa melhor força de ataque... destrua todos.

Jacob Black rugiu e naquele rugido bestial havia uma dose de alegria... o lobo teria sua vingança. Com um impulso furioso Jacob disparou rugindo pelo meio do pátio, as garras afiadas como navalhas de prata tirando lascas de pedra do chão, sua raiva dispersando-se em seus músculos, movendo-o cada vez mais rápido para o encontro de seus inimigos.

E quando a primeira leva de inimigos atingiu o pátio, um grupo de apenas oito vampiros, tiveram a péssima sorte de serem os primeiros a enfrentar a fúria de Jacob Black. Quando eles viram aquele lobo, perceberam que era muito maior do que o lobo que os seus mestres haviam domesticado... e muito mais rápido e muito mais letal.  O lobo caiu no meio deles com a força de uma locomotiva, os dois primeiros guardas receberam o impacto e seus corpos foram partidos ao meio com o peso das garras de Jacob.

O terceiro teve o crânio esmagado pela força de suas mandíbulas possantes. O grupo perdeu a formação e quando um dos vampiros atacou, Jacob apenas saltou para trás e quando suas patas traseiras tocaram o solo instantaneamente impulsionaram o corpo pesado do lobo para frente. O vampiro não foi veloz o suficiente e o impacto atirou-o contra a parede de rocha, a violência do ataque foi tão grande que o corpo do vampiro quebrou-se ao meio como uma estátua de mármore.

Depois do primeiro susto, dois outros se aprumaram e atiraram-se sobre Jacob, mas desta vez ele não recuou, atirou-se de encontro aos atacantes partindo a cabeça de um com as garras e destroçando o braço do outro com as presas. Quando os dois últimos pensaram em fazer algo, Jacob arremeteu contra eles atirando as garras para cima e para baixo fatiando-os tão facilmente quanto uma faca cortaria manteiga mole. Os vampiros não tinham chance, o lobo era pelo menos cinco vezes mais veloz que eles. Jacob conseguia prever cada movimento que os guardas faziam... era como lutar contra um bando de bêbados.

- Agrupem-se ao redor do lobo – ordenou Jasper – Ou eles desconfiarão que estamos protegendo a entrada das catacumbas. Vamos levá-los para dentro. Jacob, vamos entrar.

O lobo rugiu na noite, o som ecoando pelo pátio, Jacob atirou-se pela porta de onde havia vindo os vampiros; Jasper, Carlisle, Garret e Vrau Urban seguindo-os um passo atrás. Deram por um corredor amplo e longo recheado de vampiros... doze pelo menos. Jacob passou por eles como um vagão de carga desgovernado atirando todos para os lados. Mas os vampiros se reorganizaram rapidamente e os atacaram pela retaguarda.

- Não avance Jacob – berrou Jasper – Se entrarmos num lugar amplo seremos atacados por duas frentes diferentes e consequentemente cercados.

O lobo parou derrapando na tapeçaria cara do castelo e retornou correndo. Garret havia esquivado-se de seu atacante e em seguida golpeou-o na nuca com um golpe rápido lançando-o contra a parede onde Vrau Urban decapitou-o rapidamente. Quando os outros chegaram, Jasper acionou seu dom inundando todo o lugar com uma aura de pânico que deixou todos os atacantes completamente indefesos ante a fúria de Jacob.

- Não os deixem vivos – bradou Jasper.

Carlisle não gostava daquilo, mas não teve escolha. Ali era matar ou morrer. Garret matou mais um atacante assim como Vrau, Jasper deu cabo de outro e Jacob, veloz como um vento furioso exterminou os outros desmembrando-os com garras e dentes.

- Temos de prosseguir – falou Vrau Urban – À frente fica um grande salão, temos de tomar cuidado para não sermos encurralados.

Com Jacob à frente eles avançaram furiosamente rápidos, correndo pelo corredor um tanto quanto alucinados, olhando para frente como se ali houvesse uma salvação mesmo sabendo que nada encontrariam a não ser uma provável morte rápida. Quando deixaram o corredor, o grupo viu-se num grande salão, como um hall de entrada daquela ala que Vrau Urban informou tratar-se da ala oeste.

O salão estava vazio, nem uma tapeçaria havia ali para macular a nudez do chão, nem um quadro ornava as paredes, era como uma imensa e alta catedral recheada de ecos e sombras. Eles focalizaram uma escadaria que daria aos andares superiores, mas antes de pensarem em utilizá-la perceberam que estavam encrencados. Sem terem como saber, a ala Oeste do Castelo de Volterra era o lar dos Guardas do Palácio e isso significava que ali era o pior lugar que poderiam estar.

- Ô droga – disse Jasper.

E ali, nas escadas havia no mínimo vinte vampiros, pelo corredor onde tinham vindo mais dez surgiram e da outra porta que dava acesso ao pátio juntou-se uma pequena turba de pelo menos trinta guardas. Estavam cercados. Um número grande mesmo para a fúria deles todos.

Os vampiros se aproximaram e eles formaram um círculo um de costas para o outro, atentamente conscientes que não tinham escapatória, teriam de enfrentar muitos vampiros de um só vez; sua coragem seria suficiente? Sua força seria suficiente? Sua raiva seria suficiente?

- É isso aí meus amigos – disse Garret com um sorriso amargo nos lábios – Que nossas mortes não sejam em vão... vamos levar algum destes desgraçados conosco.

Eles se prepararam.

O lobo rugiu.

Os guardas atacaram.

E o cheiro de morte espalhou-se por todo o salão...

 

Era frio naquela escadaria de pedra que descia rumo às entranhas do mundo, o único som que se ouvia eram os passos apressados descendo no escuro, afobados e temerosos. Havia uma leve luminosidade ambígua naquele lugar, indireta e insuficiente, seu tom amarelado parecia esmaecer nas paredes de pedra bruta, a escuridão opressiva sugava toda aquela pequena chama bruxuleante das tochas nas paredes.

Edward estava à frente segurando na mão da pequena e tímida Giuliana que olhava assombrada para aquele corredor que sempre a conduzia para baixo... uma escadaria que não parecia ter fim. Atrás deles seguia Kaori, Alec e Charlotte; Seth ia por último sempre farejando o ar esperando que algum inimigo descesse as escadas prestes a ataca-los pelas costas... porém, apesar dos gritos e dos sons de batalha, ninguém apareceu para enfrentá-los. A resistência dos seus amigos parecia estar dando certo.

- A que profundidade isto desce, Alec? – perguntou Edward.

- Sempre há quinhentos degraus a cada Profundidade – respondeu Alec – Falta pouco para a Primeira, depois disso desceremos à Segunda. Existe a terceira e por fim... a última Profundidade.

- Então descemos – disse Edward.

Kaori sentia que as paredes rochosas iriam sufocá-la e ela não gostava disso, mesmo não precisando respirar era opressivo aquele sentimento de aperto que o túnel e as escadarias lhe causavam, representava-lhe a boca de um poço sem fim... um lugar de escuridão eterna. E era mesmo, desde sua construção há milênios, aquelas catacumbas jamais viram a luz do sol, em sua essência, em sua gênese, foram construídas para manter, dissipar, gerar e celebrar... a escuridão.

E os passos eram os únicos sons que podiam ser ouvidos ali, os passos dos vampiros, o raspar monótono das garras de Seth contra os degraus de pedra... e o coração acelerado, pulsante e assustado de Giuliana.

- Será que o senhor Jasper vai ficar bem? – perguntou Giuliana numa vozinha assustada.

Neste momento Edward parou e se voltou para ela parecendo perceber só naquele momento que se tratava apenas de uma garota humana assustada. Kaori olhou para Edward e pela primeira vez desde a luta no Canadá, pareceu reconhecê-lo.

O Edward Cullen que Kaori conhecera há algum tempo era um rapaz bonito eternizado em seus dezessete anos, com cabelos acobreados e um sorriso enviesado que refletia o seu dom de ler pensamentos. Edward tinha aquele olhar maroto sempre brilhante em seu rosto, o olhar de quem sabia o que os outros pensavam e achava um absurdo... elegante, charmoso; um pai de família admiravelmente devoto que amava além de si mesmo sua esposa e sua filha.

Porém, desde que havia deixado o seu túmulo aquático depois que Felix praticamente o decapitou, o Edward que conhecia fora substituído por outro, por um vampiro ansioso, introspectivo, sombrio e distante. E as sombras no coração de Edward foram se adensando mais e mais, a cada passo que dava em direção à Volterra ele tornava-se ainda mais perdido dentro de sua própria raiva... de seu próprio rancor. A expressão no rosto de Edward fora substituída por uma máscara sem sentimentos, recalcada, austera e indiferente.

Mas no momento em que o vampiro colocou os olhos na desprotegida menina, aquele Edward que Kaori se lembrava parecia ter voltado à tona vindo das profundezas de sua própria mágoa, o rosto bondoso e luminoso, o sorriso esperto, o olhar iluminado de quando Bella e Renesmee estava ao seu lado, aquele Edward era o Edward que Kaori se lembrava... e de que sentia falta.

- Não se preocupe, Giuliana – disse Edward numa voz bondosa – Meu irmão é o maior guerreiro que eu conheci e Jacob é mais forte do que você pode imaginar. Eles ficarão bem e você voltará a vê-lo e nós lhe devolveremos à sua casa... em segurança.

E dito isso, ele segurou a mão dela com mais força e se voltou para a escuridão e para a contínua descida na escadaria sombria.

Foi este episódio que fez com que Kaori sentisse uma raiva pulsante florescer dentro de si. Até aquele momento a fúria sempre fora um sentimento represado em si, ela sempre preferiu sentir medo, fugir e se esconder do que lutar por algo, por uma causa. Mas então, vendo a transformação que Edward sofreu, vendo o que a família que ela conheceu e que a acolheu ser transformada em pó, Kaori sentiu a raiva inflamar-se contra aqueles que foram responsáveis por toda aquela tragédia: Aro, Caius e Marcus.

Foram os reis que destruíram a segunda família dela, foram eles que obrigaram Carlisle presenciar seus filhos morrerem, seus filhos matarem homens para feitiços sombrios e sequestrarem crianças na calada da noite para alimentar maldiçoes em catacumbas. Foram os reis que amaldiçoaram um lar... será que Kaori conseguiria voltar a ver o lar de Carlisle e Esme recheado de amor e felicidade novamente? Ela direcionaria sua raiva para isso agora, canalizaria seu ódio recém-desperto contra os reis que lhe tiraram sua segunda casa... seu segundo lar.

 

Houve quinhentos degraus e depois disso um nada. A escuridão os envolveu e eles perceberam o ócio do grande vazio que ali se formava, todos se amontoaram a beira daquela ausência de luz. Não havia o brilho de tochas naquele salão imenso, subterrâneo e esquecido... apenas uma escuridão tão opressiva que nem mesmo o sentido dos vampiros ou do lobo eram capazes de captar alguma coisa, ou qualquer coisa. Era como estar cego, uma escuridão impenetrável, indissipável, e eles pararam à mercê de sua ameaça muda.

- A Primeira Profundidade – anunciou Alec e sua voz mesmo sussurrada reverberou pelo espaço vazio.

- As celas ficam aqui – declarou Charlotte.

- Há quantas celas? – quis saber Kaori.

- Cinquenta em cada Profundidade – respondeu Alec.

- Quantas ocupadas?

- Não faço a menor ideia.

- E em qual estão os companheiros de Vrau Urban? – perguntou Edward.

- Também não sei... eu nunca fui muito chegado a este lugar – disse Alec.

- Há como sabermos onde estão, Charlotte?

- Sim, em cada cela o nome do prisioneiro fica escrito de forma encantada na porta. Funciona como um tabu, você insere o nome do prisioneiro na porta e apenas aquele pessoa não consegue sair de lá. Enquanto o nome estiver lá, a porta não pode ser aberta... no momento em que você apaga o nome e diz a palavra encantada a porta se abre e a prisão é destrancada.

- E o único modo de apagar a palavra é sangue, correto?

- Exato.

- Então vamos logo – emendou Edward arrancando uma tocha do suporta na parede do corredor e se dirigindo para o meio do salão.

Caminharam lentamente, os passos ecoando agourentamente pelo espaço sinuoso, as portas das celas eram feitas de uma madeira escura e pareciam velhas e pesadas, o trinco reduzia-se a uma argola de ferro e elas enfileirava-se em espaços regulares de dez ou quinze metros.

- Quando quiser começar, feiticeira – disse Alec.

Charlotte tomou a frente deles e olhou para as portas de ambos os lados do salão onde a luz tênue da tocha iluminava, ela juntou as mãos e se concentrou, a familiar aura verde de magia libertou-se de seu corpo, uma aura diáfana como uma bruma nascente, mas que na completa e opressiva escuridão podia ser ainda mais bem notada. A luminosidade deu ao ambiente um tom assustadoramente fantasmagórico e sobrenatural.

- Sinus Facio – sussurrou Kaori.

E o que aconteceu a seguir assombrou a todos.

 

Em algumas portas uma luminosidade surgiu talhando a madeira em uma escrita delineada e elegante, como se o nome ali gravado surgisse em fogo queimando a madeira feito um pirógrafo; a escrita corrida e delicada brilhou na escuridão e assustou a todos, das cinquenta celas ali cravadas nas rochas... trinta delas estavam ocupadas.

- Meu Deus – sussurrou Kaori – São muitos.

- De fato – respondeu Edward – Mas não é nosso problema imediato, encontrem Miguel e Alexandrovich, não podemos nos demorar.

Não demorou muito, ao fim do corredor havia duas celas uma seguida da outra e em suas portas os nomes de Miguel e Alexandrovich reluziam a fogo naquela caligrafia perfeita. O grupo aproximou-se das celas e Edward fez um sinal para Charlotte.

- E agora? – perguntou ele.

- Precisaremos da ajuda de nossa convidada – disse a feiticeira.

Edward ajoelhou-se diante de Giuliana, o rosto da menina estava semi-iluminado pela claridade da tocha e dos nomes queimando nas portas, seus olhos estavam brilhantes e febris, como se ela estivesse sonhando o tempo todo. Mas ainda assim, percebia-se nela uma atenção muito grande, ela realmente estava ali porque queria, mas isso não significava que corria menos perigo.

- Giuliana – começou Edward numa voz suave – Estas celas são encantadas, entende? São mágicas e para serem abertas precisam de uma coisa especial... mas é uma coisa estranha e nojenta – completou ele com uma careta que fez a menina rir.

- O que é? – perguntou ela tímida.

- Seu sangue – respondeu Edward – Mas é só um pouquinho... acho que você vai sentir uma dorzinha, mas vai ajudar a libertar os nossos amigos e a minha irmã. Você me ajudaria?

- Ajudo sim – respondeu Giuliana com seus olhos brilhantes talvez ainda achando que era tudo um sonho.

Charlotte se aproximou dela com o punhal na mão, a bruxa sorriu e pegou delicadamente a mão da menina e virou-a para cima e então... parou. Mirou os olhos cor de madeira de Seth a observando com atenção e então um suspiro de desalento desprendeu-se de seus lábios. Afastando o punhal da garota e aproximando-o do próprio rosto ela sussurrou algumas daquelas estranhas palavras que somente ela sabia conhecia; a lâmina daquele punhal velho brilhou levemente, refulgiu de leve como quando o sol reflete no gelo e então apagou. Depois disso a bruxa aproximou-se da menina e também sorriu para ela.

- Bem, eu juro que agora você não vai sentir nadinha... eu encantei a lâmina e ela não vai te machucar, entendeu?

- Você é uma bruxa? – perguntou Giuliana espantada.

- Sou sim.

- Que legal.

- É?

- O que mais você sabe fazer?

- Muitas coisas, depois que a gente sair daqui eu deixo os seus cabelos azuis, você quer? – riu Charlotte.

- Sim, eu adoraria! – respondeu a menina dando a mão para a feiticeira.

O punhal deslizou silenciosamente pela mão de Giuliana, a estranha menina nem ao menos piscou, primeiramente surgiu uma linha branca e tênue na pele fina e delicada daquela pequena mão e em seguida aflorou o líquido quente, pegajoso e rubro. Os vampiros deram um leve suspiro quando o sangue jorrou, mas se se sentiram tentados, deram um jeito de disfarçar... Alec pelo menos deu um passo em direção à Giuliana, mas levando em conta o rosnado de aviso de Seth, o Volturi parou rapidinho.

Charlotte colocou sua mão sobre a mão de Giuliana espalhando o sangue da menina pela sua palma.

- Bem, quem vocês querem libertar primeiro? – perguntou Charlotte.

- Ande logo, Charlotte – disse Edward.

A bruxa se posicionou perante a porta cujo nome de Miguel refulgia num brilhar ígneo. Charlotte espalmou a mão sobre o nome brilhante e disse uma única palavra “Enogh”. Lentamente, a porta rangeu num tom solitário e agourento e depois escancarou-se completamente. Charlotte sorriu para alguém lá dentro e poucos segundo depois Miguel saiu para o corredor e seu rosto denotava um espanto ainda maior do que se algum dos Reis estivesse em pé ali no escuro esperando-o.

- Edward Cullen? – disse ele espantado em seu sotaque latino.

- Miguel – chamou Edward – Nós não temos tempo de explicar, por isso sugiro que permaneça calado ou terei prazer em permitir que Seth o desmembre por ter ajudado os Volturi no passado.

Charlotte fez o mesmo procedimento com a porta ao lado e de lá surgiu o vampiro velho e cadavérico que tinha o dom de anular os poderes de outros talentosos vampiros... se era possível dizer, Alexandrovich parecia ainda mais cadavérico e assustado do que antes.

- Mas o que está acontecendo aqui? – perguntou o velho olhando de Miguel ao estranho grupo ali parado.

- Prestem atenção, pois vou explicar uma só vez – falou Edward de forma austera, sua voz amplificando-se e ecoando pelo salão tumular e escuro – Os Três não estão aqui, nós viemos resgatar Bella, Alice, Renesmee e Quil. Encontramos Vrau Urban no meio do caminho e ele está lá em cima com nossos amigos lutando enquanto nós estamos aqui libertando vocês... e minha irmã; vocês irão subir e ajudá-los ou Seth os matará aqui mesmo.

- Nós estávamos aqui presos por causa daquele maldito rolo com vocês – queixou-se Alexandrovich – E você ainda quer que saíamos lá fora e lutemos contra a guarda Volturi?

- Vrau está lutando lá, Alex – disse Miguel.

- Foi ele quem nos enfiou nessa.

- Nós pertencemos à Confraria do Sangue – chiou Miguel – Esqueceu-se? Não podemos permitir que Vrau lute sozinho já que está aqui.

- Maldição – xingou o velho – E vocês?

- Temos mais alguém para libertar – respondeu Edward – Agora vão e quem sabe quando voltarmos deste túmulo permitamos que vocês consertem a besteira que fizeram conosco.

 

Os dois companheiros partiram rumo à escadaria, seus passos ecoantes diminuindo de intensidade à medida que subiam para a superfície. Com isso, Edward se voltou para o seu próprio grupo e olhou-os com um leve ar cansado.

- Muito bem, acho que agora é a hora de libertarmos Alice.

E o grupo se moveu, aos poucos o nome dos prisioneiros foi apagando-se das portas inundando o salão novamente numa escuridão opressiva. Chegando às escadarias encararam o túnel escuro e estreito, seria mais meio milhar de degraus até a Segunda Profundidade e uma vez mais as tochas bruxuleantes lhes indicava o caminho com sua tonalidade amarelada e triste. Longos minutos se passaram até que eles atingiram a Segunda Profundidade, o salão os recebeu em silêncio tal qual o primeiro.

- Sinus Facio – disse Charlotte e as portas das celas se acenderam em nomes.

Ali havia menos prisioneiros... doze no total.

- Tantos, ainda assim – sussurrou Kaori.

Mas o nome de Alice surgiu brilhando quase ao fundo do salão e o grupo para lá se dirigiu agora com uma pressa visível. Edward estava ansioso para rever a irmã, seria parte de um alívio imediato; porém o tempo urgia e ele ainda tinha muito a fazer, muito a libertar, muito a vingar e muito a destruir.

Entretanto, no momento em que cruzavam o salão, eles pararam. Algo os atingiu, algo poderoso, algo parecido com uma vontade oniciente que os alcançou impedindo-os de prosseguir... era como uma consciência recheada de raiva. O ódio personificado. E este sentimento pareceu chegar até eles e pesar a coragem em seus corações e os pensamentos em suas mentes; pareceu mensurá-los para tentar discernir o que estavam fazendo ali e quais eram os seus propósitos. Segundos depois a força abandonou-os recolhendo-se novamente para as profundezas de onde pareceu ter saído.

“Mas o que diabo foi isso?” – perguntou Seth usando o elo de Kaori.

- Arian – respondeu Alec – Ele sabe que estamos aqui.

- Vamos logo – cortou Edward apressando-os.

E assim foram. Correram literalmente para a cela onde o nome de Alice brilhava em brasa, Charlotte realizou a mesma operação com o sangue de Giuliana e depois espalmando a mão contra a porta. A palavra de abertura foi dita e a porta rangeu no silêncio do salão, mas diferentemente das celas de Miguel e Alexandrovich que eram escuras, a cela que se abriu jorrou para o salão uma luz forte oriunda de algumas tochas...

- Bella? – chamou a voz de Alice da cela.

Edward se posicionou de frente à porta aberta e olhou para a irmã. Sentiu, de repente, que ele não a via há séculos, mas Alice pareceu-lhe da mesma forma de sempre; linda, pequena, delicada. Usava as vestes da realeza Volturi em tons escuros e cor de sangue, estava em pé, solitária na cela, e Edward notou uma transformação nela, algo rápido e quase imperceptível, mas estava lá: uma sombra leve e indefinível sobre seu semblante brilhante e cativante.

- Edward? – chamou Alice numa voz falha, mas sem conseguir se mover do lugar.

- Sou eu... Alice – disse Edward emocionado enquanto entrava na cela – Você está bem?

Mas somente quando Edward se aproximou a vampira pareceu se convencer de que ele era realmente quem dizia ser, de assombro o rosto de Alice assumiu uma expressão de choro e ela atirou-se nos braços do irmão soluçando em seu choro seco e desprovidos de lágrimas. Foi um abraço quase desesperado, o aperto tão forte como que para comprovar que o irmão realmente estava ali em seus braços... um encontro que parecia ter durado séculos para acontecer. Alice soluçava sem parar e Edward não tentou afastá-la mesmo sabendo que a pressa era essencial no momento... mas o encontro com Alice significava que ao menos parte de seu objetivo havia sido alcançado, significava que ainda havia esperança.

- Meu deus, meu irmão... é você – disse Alice segurando o rosto de Edward entre as mãos - Você estava morto, meu deus, juraram para nós que você estava morto!

- Eu sei Alice.

- Você tem de correr... Bella e Nessie, oh Edward... ele vai se casar com ela...

- Eu sei disso também – respondeu Edward olhando para a irmã.

- Onde está Jasper? Ele está com você? – perguntou ela desesperada.

- Sim, acame-se e me escute, não temos tempo – disse Edward agora com uma expressão séria – Jasper está com Jacob e Carlisle lá em cima lutando, você precisa subir e ajudá-los ou esconda-se e mantenha-se fora do perigo. Mas faça isso já!

- E você?

- Temos que completar outra tarefa antes de subirmos. Vamos, por favor.

E foram.

- Kaori! – disse Alice abraçando a vampira com força – Meu deus, você está aqui.

- É muito bom te ver novamente, Alice – respondeu Kaori.

- Seth! – tornou Alice surpresa, ela abraçou o pescoço do lobo assim que Seth se aproximou – Meu deus, Seth... é você... é você...

“Está tudo bem Lice, está tudo bem” – disse Seth na mente de Alice através de Kaori – “Estamos aqui agora”.

- Oh Seth... eles disseram que vocês haviam morrido – começou Alice, mas então deu de cara com Charlotte e Giuliana e estranhou aquelas pessoas, até que seus olhos caíram sobre Alec - Alec? O que é que você está fazendo aqui?

- Alice – chamou Edward com urgência – Nós não temos tempo. Realmente precisamos ir e você precisa encontrar Jasper.

- Mas Edward, o que mais você está procurando aqui em baixo? Não há mais ninguém aqui, Bella e Nessie não estão aqui e...

- Eu sei – interrompeu-lhe o irmão – Eu sei que elas não estão aqui. Alice há muito em jogo e muito a ser perdido, vá... confie em mim. Vá logo.

- Edward...

- Vá Alice, antes que tudo se perca de uma vez.

O tom urgente na voz de Edward causou um arrepio em Alice, ela percebeu uma a mudança sutil no rosto do irmão, não era mais o Edward de antes, havia alguma coisa diferente nele, alguma coisa profundamente enraizada... um ódio frio e latente.

A vampira não conseguiu imaginar o que Edward poderia querer ali em baixo, não foi capaz de deduzir o que poderia haver naquelas catacumbas que pudesse despertar tanto interesse ao irmão, mas Alice também precisava encontrar Jasper... não havia como permanecer com eles.

- Tome cuidado – disse Alice – Há alguma coisa aqui, algo estranho e poderoso.

E dito isso, Alice deu uma última olhada no grupo e correu para a entrada do salão onde as tochas bruxuleavam nas escadarias, não demorou muito para que ela desaparecesse levando consigo seu brilho de fada e seu perfume sempre floral.

- Eu não achei educado perguntar na frente de sua irmã, Edward – começou Kaori – Mas libertamos os companheiros de Vrau e libertamos Alice, o que mais poderíamos querer aqui?

“Kaori está certa, cara” – comentou Seth – “O que estamos fazendo aqui se Jake e os outros estão se matando sozinhos lá em cima?”

- Terão de confiar em mim – disse Edward – Precisamos terminar um serviço.

- Mas que serviço? – quis saber Kaori.

- Nós não temos como vencer.

“Você está falando do que, Edward?” – indagou Seth.

- Estamos condenados, entendam... Bella, Renesmee e Quil estão no Pináculo da Luz, o lar dos Mercadores da Morte. Como vocês esperam regatá-los com o que temos aqui? Entrar naquele lugar e sair com vida é tão impossível quanto entrar em Volterra ou você já se esqueceu, Seth, que metade dos seus companheiros morreu pelas mãos daquele exército amaldiçoado?

- O que está tentando dizer? – perguntou Kaori.

- Há alguém aqui que pode nos ajudar e nós iremos libertá-lo – respondeu Edward sombrio.

“Quem poderia estar aqui, Ed?”

- Arian – disse Kaori compreendendo o que Edward dizia – Você quer libertar Arian.

“O supervampiro filho de Aro?” – estranhou Seth – “Porque iríamos querer libertar aquele doido? Não foi ele quem deu um couro nos Mercadores da Morte? Não acho que seja uma boa ideia lidar com este cara, já tem doido demais nesta história para o meu gosto”.

- Vocês teriam outra sugestão? – enfureceu-se Edward – Alguma? Não? Pois bem, vocês podem continuar conosco ou subir para morrer com os outros. O que me dizem?

“Você sabia disso tudo?” – perguntou Seth olhando para Charlotte com aqueles olhos lupinos e brilhantes.

“Seth, eu não tive muita escolha” – começou Charlotte num tom de desculpas, detestava ter de encarar aqueles olhos honestos e puros de Seth olhando-a com decepção – “O que realmente podemos fazer para sairmos vivos daqui?”.

“Eu não sei, bruxinha... mas tenho certeza que libertar um doido não irá ajudar” – respondeu Seth afastando-se dela.

“Você está metido nisso, Alec” – chiou Kaori na mente de Alec.

“Por que você pensa isso?” perguntou o vampiro cinicamente.

“Por que é você quem conhece este lugar tenebroso, quem mais nos traria aqui?”

“Eu não controlo o que o Cullen faz Kaori, e não tenho culpa se ele enlouqueceu de vez”.

“Isso tudo não passa de um jogo para você? Se morrermos todos... não faria diferença?”

“Bem, faria diferença se você morresse”.

“Claro, afinal de contas eu sou seus olhos, não é mesmo?” – retorquiu Kaori num misto de fúria e mágoa.

Mas a isso, Alec não respondeu.

 

A escadaria os recebeu com a habitual antipatia crua de sempre, mais quinhentos degraus os separavam da Terceira Profundidade, era algo que já estava se tornando monótono e opressivo e apenas piorou tendo em conta o atual espírito da equipe. Seth estava chateado com Charlotte e Kaori chateada com Alec e todos estavam chateados com Edward. Esta coisa de segredos, eles descobririam dali a alguns anos, era extremamente perigosa... segredos matam, segredos enfraquecem e segredos dividem; há um motivo para os Volturi serem o que são: segredos. E naquele momento, naquela escadaria milenar, aquele pequeno grupo começou a aprender o quanto os segredos são perigosos.

Mas apesar de tudo ali estavam eles, e ali encontraram um novo salão igual aos outros dois, escuro, ecoante e frio. Mais cinquenta celas se enfileiravam por ambos os lados do salão quando Edward ergueu a tocha, por um motivo estranho era horrível estar ali a não se sabe quantos metros ou quilômetros abaixo da superfície... quase no núcleo do mundo. O sentimento de claustrofobia começou a afetá-los mesmo sendo as criaturas sobrenaturais que eram.

- Sinus Facio – disse Charlotte pela terceira vez.

Das cinquenta celas, apenas duas portas reluziram como fogo, a caligrafia elegante se desenhando e se delineando num traçado reto pela madeira das portas. O ambiente escuro ganhou um tom mais claro com aquilo.

- Por que apenas dois prisioneiros? – perguntou Kaori.

- A prisão funciona por níveis – explicou Alec – A primeira profundidade é para aqueles que permanecerão pouco tempo ou tem pouco importância aos Três, geralmente são aqueles prisioneiros que estão ali apenas para levar um susto. A Segunda Profundidade é para prisioneiros mais perigosos ou mais interessantes... depende, ali ficam os que detém alguma certo interesse para a Corte. A Terceira Profundidade é reservada aos casos críticos, vampiros que realmente representaram algum perigo aos Reis ao ponto de serem lacrados aqui e esquecidos... são prisioneiros que cometeram uma traição grande demais.

- Bianca e Baltazar – leu Kaori – Quem é Baltazar?

- Era um agente de Caius, espião, historiador... muito antigo, esteve com os Reis desde o começo. Ele fora designado para uma missão fundamental: encontrar vestígios de Nínive.

- Nínive?

- Não temos tempo para isso – disse Edward cortando a história – É Bianca que nos interessa.

- Segurem-se bem - perguntou Alec – Vocês estão prestes a conhecer a primeira Rainha de Volterra.

- Isso não me soou otimista – disse Kaori ainda azeda.

- E não deveria, Bianca é complicada. Depois de tantos séculos aprisionada... eu imagino que seu humor não deve estar muito bom.

- Você tem medo dela – acusou Kaori.

- Medo não, respeito – respondeu Alec incomodado – Foi por ela que tudo aconteceu no passado.

- Charlotte, por favor – pediu Edward.

 - Bem, acho que não adianta nada ficar aqui enrolando – disse Charlotte – Vamos libertar a rainha de uma vez por todas.

Alec deu alguns passos para trás até que seu corpo ocultou-se nas sombras do salão saindo do raio de luz tênue da tocha que Edward carregava. Seth ficou ao lado de Giuliana, a menina não pareceu se importar por estar sendo ladeada por um lobo gigante, mas era necessário... uma vampira presa a vários séculos provavelmente estaria morta de sede. Kaori permaneceu ao lado de Edward, a expectativa deixando-a nervosa.

Charlotte, uma vez mais, fez o sangue de Giuliana correr por sua pequena mão quando ela reabriu o corte com a lâmina encantada, em seguida umedeceu sua própria mão com o líquido quente e ergueu-se olhando para Seth com atenção... o lobo nem sequer piscou. Depois disso ela cruzou o espaço que a separava da cela de Bianca e posicionou-se de frente para a porta.

O nome de Bianca reluzia na madeira, a caligrafia queimando numa luz incandescente, a bruxa espalmou a mão ensanguentada sobre o nome e pronunciou a palavra de abertura: Enogh. Da mesma forma que as outras, a porta da cela rangeu pesadamente enquanto abria para o salão escuro, um movimento que não realizava há quase mil anos.

A cela, diferentemente da de Alice, estava envolta num breu imperscrutável, a escuridão era tão densa que nem mesmo a chama da tocha era capaz de iluminar além da soleira da porta; era como se as sombras ali dentro também fossem encantadas e afastassem a luz que por ventura tentasse adentrar seus domínios. Mas, apesar de tudo, nenhum som foi ouvido lá de dentro, nem um passo, nem um suspiro, nem um ruído que indicasse que a cela pudesse ser habitada por alguém.

- Acho que ela não está aí dentro – disse Charlotte depois que o terceiro minuto de silêncio já avançava sobre eles.

- Talvez ela tenha virado uma estátua, não é mesmo? - emendou Kaori.

 

Mas no momento em que disse aquilo, um leve farfalhar surgiu de dentro da cela e uma voz flutuou até eles, era diferente de todas as outras vozes de vampira que algum dia Edward e Seth haviam ouvido; tinha uma cadência velha e incerta, mas o tom aveludado e sensual era tão óbvio e potente que não podia ser meramente ignorado.

No, non ancora – falou a voz de dentro da cela num italiano suave.

E então, um segundo depois, um passo ecoou na direção deles e depois outro e mais outro e o grupo se viu com o olhar aprisionado na boca da cela, Seth e Giuliana prenderam a respiração. Do escuro surgiu uma vampira... e quando ela surgiu Edward teve a certeza de que o mundo estaria perdido, assim como compreendeu o porquê de Arian ter se apaixonado por ela e ter se rendido frente ao pai quando ameaçaram sua amada. Edward soube que Arian não tinha sido culpado, nem um homem, mortal ou não, poderia ter resistido a ela.

Seth sentiu-se levemente desconcertado, ele olhou aquela vampira e pareceu-lhe que era a única vampira que algum dia havia colocado os olhos, já havia visto mulheres lindas, Charlotte era linda. Mas aquela vampira era mais do que isso. Era a epítome da beleza.

Mesmo Kaori ficou espantada, a pequena Giuliana piscou várias vezes imaginando que somente nos filmes havia visto mulheres tão lindas e mesmo assim, mesmo as atrizes mais belas que ela invejara, não chegariam aos pés daquela vampira.

Os cabelos de Bianca, de um louro dourado e reluzente desciam além de seus ombros como um rio de ouro liquefeito, os fios brilhavam com volúpia como se um sol estivesse sobre sua cabeça iluminando-a por inteiro. Seu rosto era absurdamente harmonioso, nada ali era exagerado ou extravagante demais, mas simples e milimetricamente perfeito, não havia espaços sobrando ou faltando, tudo era um encaixe soberbo... tudo era arrebatador. Seus lábios de um tom rosado e brilhante pareciam ter a textura de pétalas de rosa, nem finos nem grossos, mas num volume exato, permaneciam imperceptivelmente entreabertos numa posição quase virginal... sensual, pareciam ter sido desenhados pela hábil e desesperada mão de um artista genial.

O nariz era pequeno e alinhava-se reto e perfeito rendendo-lhe um leve ar de imponência e soberba, mas, entretanto, mediava de forma especial seu rosto tornando-o harmônico como as sinfonias dos grandes músicos.

Os olhos eram profundos, rubros e espertos; misteriosos ao ponto do inconcebível, furiosamente encantadores e perigosamente sedutores, eram olhos felinos, olhos que perscrutavam, que adivinhavam e que desnudavam a alma das pessoas. Eram grandes e faiscantes. Os cílios de um negro profundo lhe rendiam algo de marota, mas aqueles olhos tão inumanos e sobrenaturais eram os olhos mais atordoantes que Edward alguma dia havia encarado. E eram presunçosos, olhos de anjo, olhos de demônio, olhos de Rainha.

Bianca era tudo isso e mais. Não havia completado nem bem quinze anos de idade quando fora transformada, mas já possuía o corpo de uma mulher... o tecido de seu vestido não resistira aos séculos e tornara-se um disforme emaranhado de fios que não escondiam quase nada daquele corpo voluptuoso, e Bianca não fazia questão alguma de tentar se esconder. Não havia acanhamento ali. Os seios, de uma fartura rígida e hipnótica, eram cobertos por uma pele macia e cintilante, alva como a neve, recheada de promessas luxuriosas; as pernas, da mesma pele alva, eram delineadas lindamente, esculpidas como duas colunas moldadas a paixão e desejo. O corpo de Bianca era um templo de absurdos, um altar de devaneios, uma rajada furiosa e atordoante de desejos carnais.

Bianca era um pecado... algo que Deus provavelmente se arrependeu de ter criado. Era impossível não desejá-la, não querê-la, não imaginar-se saboreando aqueles lábios desenhados, aqueles seios perfeitos... aquele ventre imaculado. Não. Não era um anjo, não podia ser um. Bianca era uma criatura de trevas, era uma beleza de tal forma absurda que não poderia trazer bem algum, não poderia abençoar... apenas amaldiçoar. Como homens mortais poderiam resistir a ela? Como fariam frente, se oporiam a tal grau pecaminoso de beleza? Na natureza talvez nem as estrelas do céu tivessem força para ofuscar-lhe o brilho.

E ela olhou para eles como se eles nada fossem, seu rosto era uma máscara de arrogância impenetrável, não foi capaz de nem por um segundo demonstrar surpresa ou gratidão por sua liberdade. Havia uma carga tão grande de desmazelo, de indiferença naquele olhar que reduzia o grupo a meros serviçais, plebeus, camponeses. O olhar de Bianca era irredutível, seu porte prepotente era de tal forma implacável que mesmo seminua, mesmo vestida por trapos, era quase impossível enfrentar aqueles olhos arrogantes e impiedosos.

Bianca, a Rainha.

A que detém a tormenta.

 

Estranei, de onde vindes vós e quais são vossos propósitos? - perguntou Bianca mudando do italiano para um inglês estranho, numa cadência antiga. Provavelmente tratava-se de um inglês medieval, ou antes disso, de um inglês arcaico e de difícil entendimento; soava com um sotaque italiano, mas pronunciava-se com um tom britânico. Parecia originário de um dos primeiros ramos da língua inglesa.

- Bianca – disse Edward se colocando à frente dela – Eu sou Edward Cullen, não dispomos de muito tempo para explicações, então terei de ser breve. Minha família entrou em confronto com os Reis de Volterra, mas infelizmente nossa força não é suficiente e precisamos de auxílio.

- Quanto tempo eu permaneci aprisionada?

- Eu não possuo uma informação exata – respondeu Edward, mas neste momento Alec se aproximou deles entrando no campo de visão de Bianca.

- Setecentos e trinta e cinco anos, Bia – disse Alec assombrado – Foi o tempo que você esteve presa aqui.

- Alec – disse ela olhando-o com estranheza, no começo foi como um reconhecimento agradável, como uma amiga que está com saudades de um amigo que há muito não vê, um leve sorriso pareceu esboçar os lábios de Bianca, mas isso desapareceu quase que instantaneamente quando a lembrança da traição de Alec lhe veio à mente – Meu antigo amigo, demoraste tanto tempo assim para tentar colocar-me em liberdade?

- É mais complicado do que parece – disse Alec – Uma longa história.

- Longa demais para ser contada agora – atalhou Edward – Bianca, como eu disse, estamos no meio de uma crise, os Reis não estão em Volterra e nossos amigos estão lutando para impedir que a Guarda nos encontre. Precisamos que nos auxilie.

- E o que eu poderia lhes oferecer? Desconfio que este castelo decrépito não mais me reconheça como Rainha.

- Não é este tipo de ajuda, nós pretendemos libertar Arian.

 

E assim, talvez pela primeira vez, Bianca pareceu ser capaz de expressar sentimentos... seu rosto assumiu uma expressão de espanto e ela relaxou o corpo como se um peso tivesse deixado seus ombros, seu porte de Rainha esquecido brevemente. Seus olhos faiscaram em direção a Edward, o vampiro não foi capaz de identificar se isso significava desconfiança ou gratidão, mas, de uma forma ou de outra, Bianca deu um passo em sua direção.

- Pretendes libertar meu Arian? - perguntou ela num sussurro apertado.

- Sim, e precisamos que você impeça que ela nos mate – disparou Edward – Você é capaz de fazer isso?

- Antigamente, sim. Agora, não sei. Estivemos separados por quase mil anos, Edward Cullen, você consegue imaginar o que isso significa?

- Não consigo imaginar este tempo, Bianca, mas sei o que é ficar afastado das pessoas que ama. Aro pretende se casar com minha esposa no Pináculo da luz daqui a dois dias e ela também mantém refém a minha filha. Eu sei o que você sente.

Apesar de Edward ter respondido, Kaori compreendeu melhor o que ela tentou dizer... no fim das contas a Rainha tinha medo de que seu precioso Arian não mais a amasse, que em todos estes séculos o amor por ela já tivesse esfriado.

- Você o amava? - perguntou Kaori olhando Bianca com cuidado.

- Sim.

- Ele foi preso por você, Bianca – completou Edward – Eu duvido muito que tenha deixado de amá-la. De uma forma ou de outra eu irei libertá-lo, mesmo que isso signifique nossa morte imediata.

- Se irá libertá-lo eu estarei lá, então veremos o que isso significará para ele – respondeu Bianca novamente envergando a infalível máscara da Rainha.

- Ótimo – disse Edward – Então temos de descer.

 

Kaori abaixou-se até sua mochila de viajem e arrancou de lá uma calça jeans e uma camiseta preta e entregou-os a Bianca.

- Tome, desconfio que isso não faça jus à sua posição, mas é melhor do que ficar andando por aí envolta em trapos que nem ao menos são capazes de cobrir direito alguma coisa.

- Vestes estranhas – comentou Bianca.

- Você esteve presa aqui por séculos, acredite em mim, as mulheres não usam mais estas vestes pomposas e imensas que vocês costumavam usar há sei lá quanto tempo atrás.

Bianca, então, sem qualquer pudor arrancou do corpo o que restava do tecido apodrecido e ergueu as roupas que Kaori lhe dera – neste meio tempo, Charlotte deslocara-se para o lado o suficiente para bloquear a visão de Seth – Bianca entrou nas calças e na camiseta, como ela era pequena assim como Kaori as roupas lhe caíram bem. A camiseta preta com uma estampa do Red Hot Chili Peppers acabou dando a Bianca um ar bastante jovial, e o tecido aderiu a seu corpo esguio deixando-a, se possível, ainda mais sensual e desejada.

Tanto que Seth soltou um risinho lupino e saiu das sombras para se juntar ao grupo com Giuliana ao seu lado. A visão do lobo gigante fez com que Bianca desse um passo para trás.

- Lobisomem! - espantou-se ela com asco na voz.

- Não, não é um lobisomem – apressou-se Edward a explicar – É um transmorfo assim digamos, uma humano com poder de se transmorfosear em lobo, quando tivermos tempo eu lhe conto a história.

- E ela é para mim? - perguntou Bianca tirando com dificuldade os olhos de Seth e deitando-os sobre Giuliana com desejo.

- Sei que deve estar com sede, Bianca – continuou Edward – Mas ela está nos ajudando a abrir as portas da cela, ninguém irá feri-la. Depois de libertarmos Arian você poderá se alimentar.

 

Havia de certa forma uma desconfiança em Bianca, para tanto que ela não esperou pelo grupo e rumou direto para a o fim do salão onde a escadaria os aguardava; Edward seguiu com a tocha atrás dela enquanto os outros permaneceram em seu encalço. Alec seguia por último.

No momento em que chegaram à escadaria todos pararam de forma abrupta, aquela força que os atingira anteriormente tornou a encontrá-los, uma força que pressionava suas mentes forçando-os a estancarem sem coragem de continuar. A força pareceu vigiar cada um deles, porém, no momento em que chegou a Bianca a pressão abrandou e tornou-se diferente, quase dócil, quase feliz.

- Arian – disse Bianca e apressou-se a descer as escadarias escuras.

Então, quando já havia descido algumas dezenas de degraus notou que ninguém a seguia, a Rainha olhou para Edward que estava à frente dos outros e ofereceu-lhe um sorriso leve e ambicioso. Era um sorriso maroto, um sorriso de desafio.

- Venham, venham crianças – disse ela com sua voz musical naquele estranho inglês – Não precisam temer o escuro.

 

E dito isso desapareceu na escuridão.

Edward respirou fundo e a seguiu escadaria abaixo.

 

Rumo ao centro do mundo para libertar Arian.

 

Aquele que não deve ser libertado.


Notas Finais


Próximo Capítulo: Arian, O que não deve ser libertado


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...