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História Enquanto você me abraça - Capítulo único


Escrita por: Jude_Melody

Notas do Autor


Hunter x Hunter pertence a Yoshihiro Togashi. Apesar dos longos hiatos, mestre, seus leitores sempre permanecerão fiéis.

Este texto é apenas uma fanfic e não possui fins lucrativos.

A história a seguir apresenta conteúdo shonen-ai/yaoi leve (sem cenas de sexo). Se não gosta, não leia.

Esta fanfic faz parte da série “A canção do assassínio”. Segue a ordem cronológica das fanfics: Não ser, Sem palavras, Enquanto você me abraça, Enquanto as nuvens choram (em breve).


Contém spoilers da saga das Chimera Ant.


Killua Point of View


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Capítulo 1 - Capítulo único


Meus olhos estão acostumados com a escuridão. Depois de tantos anos nas masmorras e na floresta densa que cerca a mansão em que eu cresci, um pouquinho de noite não significa nada para mim. Pela janela, entra um fiapo de luz de luar, e eu vejo o casaco verde balançando na penumbra. É a brisa suave que brinca com as mangas, fazendo com que elas rocem o encosto da cadeira sobre qual a peça de roupa foi deixada para descansar.

Amanhã será um longo dia, e só de pensar eu já sinto a exaustão tomar conta do meu corpo. Acontece que eu não posso desistir. Há muitas coisas em jogo, coisas demais. É tanto que fica até difícil acreditar, mas eu não tenho outra escolha. Não há mais nada que eu possa fazer, então, devo seguir em frente. Devo ter confiança. Devo ser forte. Porque a minha força é tudo que me resta agora.

Ao meu lado, Gon se mexe enquanto dorme. Ele está de costas para mim, mas eu posso sentir sua respiração tranquila e regular. Não está tendo pesadelos ou sonhos estranhos. Quando isso acontece, ele vira de um lado para o outro, inquieto, resmunga palavras sem sentido, coloca o pé em cima do meu rosto. Uma vez até me chutou para fora da cama! Eu! Um Zoldyck.

Chega a ser um pouco engraçado, mas eu meio que fico indefeso perto dele. Aquele seu sorriso confiante, aquela sua determinação de sempre seguir em frente, aquela sua vontade de dar o melhor de si. Eu não deveria amolecer desse jeito, mas existe alguma coisa no Gon que desperta um lado humano dentro de mim, um lado que eu achei que estivesse morto. Afinal, como um assassino frio pode se dar ao luxo de ter sentimentos? Como ele pode sequer ter a capacidade de sentir? Eu não sei... Acho que nem o Gon sabe.

Um movimento às minhas costas sugere que o sono de meu amigo mergulhou em uma fase intranquila. Ele mexe a cabeça e as pernas, resmunga baixinho, deita de barriga para cima. Depois disso volta a ficar em silêncio, e eu me concentro no compasso de seu coração. O tum tum tum que embala meus sonhos e me leva a um lugar sem masmorras, armas e monstros. Um lugar em que a brisa fresca me cumprimenta, e o cheiro do mar é convidativo. Um lugar em que eu posso até sorrir.

Esse pensamento de certa forma me anima, e eu quase consigo esquecer a triste realidade. Mas a manga do casaco continua balançando com a brisa e me faz lembrar o pêndulo de um relógio. Um relógio que indica que meu tempo está se esgotando, que eu não posso mais ficar aqui...

E isso dói.

Dói tanto que chega a me surpreender. Eu coloco a mão no peito para ter certeza de que a dor vem dali. Venho sentindo dores muito fortes nos últimos dias. Será que isso significa que eu tenho um coração? Não um coração luminoso e amável como o de Gon, no qual cabe tanta coisa que é até difícil acreditar. Mas quem sabe um coração pequeno e mesquinho que só tenha lugar para uma ou duas pessoas, as únicas por quem eu...

Morreria? É essa a palavra que eu procuro? As únicas pessoas no mundo por quem eu morreria? Eu... Eu morreria pelo Gon? Morreria por meu melhor amigo?

Sim, eu morreria. Meu coração mesquinho bate mais forte com esse pensamento, e eu penso que talvez, apenas talvez, ele não seja tão mesquinho assim. Será? Por que eu me empenharia tanto para salvar o Gon? Seria por conta de um sentimento genuíno? Seria por conta de uma verdadeira amizade? Ou seria apenas uma emoção egoísta, uma necessidade de mantê-lo por perto para que eu mesmo possa viver?

Estou confuso... Estou confuso...

Gon inspira profundamente e se mexe de novo. Desta vez, sinto seu braço sobre o meu. Não é um gesto consciente. Ele apenas virou de lado enquanto dormia. E agora eu sinto sua respiração na minha nuca. Estou de costas para ele, e ele passa seu braço por cima do meu, como se quisesse me abraçar. Mas o gesto é inconsciente, e ele logo voltará à posição original. Costas contra costas. Ele voltado para a porta. Eu voltado para a janela. É assim que funciona.

Killua...

Sinto um arrepio quando o escuto pronunciar meu nome. Seu braço, de repente, começa a me apertar. Desliza suavemente por meu corpo e me enlaça pela cintura. Gon se aconchega em mim, e minha respiração acelera, em contraste com a tranquilidade que ele demonstra. Fecho os olhos, aperto-os com força. Essa é uma realidade que não posso suportar. Mas, quando torno a abri-los, percebo que estou em uma encruzilhada cruel, pois a manga do casaco de Gon continua contando os segundos.

A dor em meu peito sobe até minha garganta, e eu sinto meus olhos arderem. Então, é essa a sensação de chorar? Já vi Gon chorando algumas vezes, mas nunca pensei que esse ato estivesse ao alcance de minhas capacidades. Sempre vi a mim mesmo como uma concha vazia. Sem coração. Sem sentimentos. Um assassino cruel que não precisa de amigos.

Será que até mesmo um coração mesquinho pode gerar lágrimas? E será que essas lágrimas são pelo Gon? Ou são por mim? O que eu quero, afinal? Quero salvar meu amigo ou quero salvar a mim mesmo? Isso é tão confuso... Tão confuso... E meu peito dói... Mas eu gosto de senti-lo de doer... Isso me faz sentir melhor. Isso me faz sentir...

Humano.

Fecho os olhos de novo e, desta vez, sou eu quem inspira fundo. Meu coração mesquinho parece estar sangrando. Minha tristeza transborda por meus olhos. É isso. Estou triste. Mas não estou triste por mim. Estou triste pelo Gon. Porque ele perdeu tanto e agora está em apuros.

Não. Estou triste por mim também. Porque me sinto impotente. Porque não posso fazer nada. Porque meu melhor amigo está morrendo, e eu não sei como salvá-lo.

Essa é a dor mais forte que eu já senti na vida. Todas as chicotadas, todos os socos, todos os choques, todas as mordidas, nada se compara a isso. Essa dor que sangra meu coração mesquinho e transborda em meus olhos. Gon me abraça mais forte, como se pudesse sentir minha agonia. Mas isso só me faz sentir pior.

Eu observo meu relógio-casaco, contando os segundos. A minha lembrança da triste realidade. Aqui, na penumbra da noite, eu até me sinto bem. Eu me sinto bem enquanto ele me abraça. Mas esse não é meu presente, é apenas um passado. É apenas um sonho.

O contato de Gon é tão real e falso ao mesmo tempo. Ele não está aqui de verdade. Eu não estou aqui. Estamos em um local mais claro... E mais sombrio. Por minhas pálpebras semicerradas, vejo seu corpo dilacerado sobre a cama do hospital, e alguma coisa quente percorre meu rosto, marcando minha bochecha.

Seco a lágrima solitária e observo a pequena gotícula em meu pulso. Tem um gosto salgado. Ruim. Apesar de tudo, não consigo chorar mais. Meu coração mesquinho foi espremido até seu limite.

Eu me aproximo de Gon, arrastando os pés no chão polido. Seus cabelos negros envolvem seu corpo como uma manta. Afasto uma mecha de seu rosto e sinto uma nova onda de dor, mas nenhuma lágrima aparece em meu rosto.

Eu queria que ele estivesse me abraçando... Queria sentir sua respiração em minha nuca. Queria ver de novo aquele sorriso luminoso que me faz acreditar que eu sou humano. Aquele sorriso que jogou luz na masmorra de meu ser e fez esses olhos eternamente negros adquirirem um pequeno brilho, uma singela esperança em meio a todo esse clamor assassino*.

Afasto-me, surpreso. Esperança. Uma palavra que nunca significou nada para mim, mas que agora parece carregada de poder. Com a respiração acelerada, penso na mansão, penso em todos os seus quartos, segredos e armadilhas... Penso em Alluka... O Zoldyck esquecido...

Minha última esperança.

Não há tempo a perder. Pego meu coração amassado e o jogo no fundo da masmorra da minha alma. Pelo bem de Gon. Não posso falhar agora. Há muita coisa em jogo. Tanta coisa que meus dilemas desaparecem momentaneamente, abrindo caminho para aquele sonho, para aquele mundo fantástico e mágico em que eu observo a janela aberta enquanto o Gon me abraça.

Aquele sonho que pode se tornar uma realidade. Uma realidade que eu almejo mais do que tudo. Como aquele lugar com a brisa fresca e o cheiro de mar. Como um lugar que eu possa chamar de casa. Um lugar em que o Gon me espera.

Pai, esteja preparado para minha visita. Nada que o senhor faça será capaz de me deter. Em apenas algumas horas eu estarei na sua sala, sustentando seu olhar severo com a pequena nesga de luz que o sorriso de Gon lançou em meu olhar. Sustentando sua desaprovação com esse sentimento que eu não sei e não quero explicar. Sustentando seu temor com a minha esperança.

Eu deixo o quarto de hospital sem olhar para trás e me esquivo pelos corredores luminosos, para dentro da noite escura. Mas, quando fecho os olhos, vejo claramente aquela imagem. O casaco no encosto da cadeira. A brisa suave que balança suas mangas. Como o pêndulo do relógio que conta os segundos do meu destino.

 

 


Notas Finais


Nota - como essa é uma referência bem complicada, aqui vai a explicação: alguns anos atrás, um amigo, ao folhear meus mangás de HxH, comentou alguma coisa sobre os olhos do Killua, dizendo que, em geral, personagens com olhos totalmente negros são "maus", ao passo que os bonzinhos possuem aquele "brilhinho" no olhar. É isso que o Killua quer dizer. Antes de conhecer o Gon, seus olhos eram totalmente negros. Agora, eles têm aquele "brilhinho".


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