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História Olhos de Estrela - Capítulo Único


Escrita por: linonmars

Notas do Autor


Eis-me aqui, na casa de mamãe outra vez, postando algo para que não caia no completo esquecimento. Quase postei essa fanfic em Efêmero, mas ela nasceu assim, de girls day, então decidiu postar ela como a escrevi. Espero que gostem!

Obs: A fanfic é AU (como de praxe), mas hoje bem au mesmo: Brasil, carnaval, década de 80. Vocês vão entender porquê.

Capítulo 1 - Capítulo Único


Fanfic / Fanfiction Olhos de Estrela - Capítulo Único


"Teu grito arde, invade a casa,
e as palavras calam no meu coração"

A Valsa, Maria Gadú

 

Ela tinha olhos de estrela.

Não olhos que brilham, belos e faiscantes, mas olhos distantes, longe demais para serem alcançados. Talvez os olhos de Sojin jamais a alcançasse.

O ano era 1980. Para ser mais exato, fevereiro de 1980. Carnaval, máscaras, um Brasil bonito que só se via naquela época do ano. As ruas se estendiam coloridas de cartazes e gente de toda parte,  mas esses detalhes se perdiam em meio ao coro que seguia a música ditada pelas caixas de som. As milhares de vozes tornavam-se uma, e a do cantor perdia-se ao fundo. Aqueles detalhes pequenos no entanto passavam despercebidos, a única sensação sendo a de agitação e alegria. Como se aquela fosse sua última chance de ser feliz, e ser a si mesmo. E para alguns ali, talvez realmente fosse.

 

O coração batia em sincronia ao ritmo da música, enquanto os olhos escuros buscavam outro par no salão cheio, olhos distantes que hoje eram estrelas do rosto que escondia-se atrás de uma máscara. As mãos suavam, fechadas em torno do vestido que dificultava o caminhar. Yura detestava aqueles vestidos de festa; fantasia barata que cabia no orçamento que mal dava pra pagar as contas, mas ali estava. Mas onde estava ela?

Já fazia um ano desde que a vira pela última vez, e três que se conheciam. E ainda que fossem muitos os dias contados desde o primeiro roçar de lábios, tudo o que sabia da estranha que lhe roubava o fôlego era o prenome e que seus olhos brilhavam como estrelas. Não era dali, também, mas isso deduziu com o tempo. Procurou-a pelo campus da faculdade, pelos pontos turísticos da cidade, por outras festas. Sojin estava em qualquer lugar, menos onde Yura fosse capaz de encontra-la.

Mesmo assim, perguntava-se o que faria se num acaso como tantos que acontecem, a encontrasse sem querer. Conversariam? Ou anulariam os carnavais que haviam compartilhado e seguiriam como estranhas que na verdade eram? Desenvolveriam aquilo que tinham?

Elas tinham algo?

Yura não sabia, e as perguntas acumulavam-se por um ano em sua cabeça, para desmancharem-se todas nos braços daquela que lhe prometia o paraíso com um beijo. Naqueles minutos em que tudo o que existia era prazer e Sojin, suas perguntas eram respondidas, e ela dizia que sim, elas tinham algo. Tinham e era importante, ela podia sentir o afeto no toque suave das mãos que a despiam até a alma. Mas o que tinham só podia ser o que era naquele único dia, porque naquele dia elas eram elas mesmas. Nos dias que se seguiriam, mulheres não podiam amar outras mulheres. Transgressão religiosa, vergonha da família. 'Sapatão tem é que apanhar mesmo, pra aprender a ser mulher de verdade', a voz do pai à mesa do café ecoava em sua cabeça. Ele franzia o cenho enquanto folheava o jornal, enojado. A manchete era sobre mais um homossexual agredido até a morte, pela madrugada fria de São Paulo afora. 'Preferia ter filha biscate do que filha que gosta de mulher.'

Sentira a garganta se fechar num choro contido, engolindo as lágrimas e palavras que guardou para si.

O que havia de errado em amar? Onde estava a transgressão gritante, motivo de revolta por toda uma nação? Podia matar, podia roubar, podia jogar o filho numa lata de lixo, mas amar alguém do mesmo sexo? Aberração. Uma espécie a ser eliminada do planeta.

Ah, pai, suspirava em desalento. Se tu soubesses...

 

Enquanto ainda buscava Sojin pelo salão, aqueles pensamentos lhe ocorriam como a correnteza de um rio, fluindo naturalmente em sua mente. Pestanejou ao jurar ter visto a morena de relance, mas era outra pessoa. Já deviam ser quase onze, e nada d'ela aparecer. Não teria vindo dessa vez? Teria acontecido algo? Ela não sabia, e não tinha como descobrir. E as dúvidas queimavam em seu coração.

Perguntava-se se ela sofria das mesmas dúvidas, das inseguranças, do medo de ser descoberta. Se Sojin fora assim toda a vida, ou se descobrira aquilo com ela. Ainda se lembrava do perfume doce de maracujá que ela usava quando a conheceu, há tantos verões atrás. O vestido azul de tecido fino delineava as curvas de seu corpo com suavidade, terminando pouco acima do joelho. Seu corpo era um deslumbre, mas foram seus olhos que a arrebataram. Lembrava-a das aulas de literatura na faculdade, os "Olhos de cigana oblíqua e dissimulada" de Machado de Assis. Olhos que escondiam um mundo de segredos, mesmo que se mostrassem tão transparentes. Olhos que escondiam uma luxúria contida na inocência inicial. Olhos inalcançáveis, que ela jamais vira tão belos antes.

Yura queria afogar-se nos olhos de Sojin.

A música tocava alta naquele dia assim como hoje, mas tudo o que Yura podia ouvir eram os batimentos do próprio coração enquanto a morena caminhava até ela, com um sorriso no rosto. E olhos de estrela que ofuscavam tudo em volta.

A estranha inclinou-se sobre ela, até que os lábios sussurrassem palavras contra seu ouvido. A espinha arrepiou-se por inteiro, e ela já não lembrava o que Sojin havia lhe dito aquele dia, mas respondera sim, acenando com a cabeça. Ela diria sim pra qualquer coisa que Sojin lhe dissesse.

A morena a tomou pela mão e juntas saíram do salão, esgueirando-se pelas pessoas que festejavam do lado de fora, num misto de risos e vozes. Caminharam até que se afastassem quase por completo da multidão, numa parte das ruas que já havia sido deixada pelos carnavalescos. Dali a música parecia distante, quase do outro lado da cidade. O céu ali parecia mais brilhante, puro, sem luzes de trios elétricos para competir com a Lua. Esses detalhes, no entanto, passavam-se despercebidos às duas que desvendavam-se em toques, de olhos fechados.

Não houveram palavras, conversa, apenas os ruídos que seus lábios faziam ao encontrarem a pele alheia, e o tecido incômodo a ser afastado do corpo. Arriscavam-se a ser encontradas ali, sozinhas, mas não havia tempo para precaução. Carnaval era efêmero, e tudo o que tinham era aquele momento. E naquele momento, não lhes restavam mais nada para ser além de essência.

E mesmo no escuro, os olhos de Sojin brilhavam pelas duas.

 

Yura se pôs na ponta dos pés, tentando enxergar as pessoas que entravam e saíam da festa, em busca da face delicada e lábios cheios dentre todos os rostos que ela não conhecia. Sua cabeça começava a doer, uma agulhada fina pouco acima da testa. O calor humano a sufocava, e toda aquela música a deixava tonta. Onde estava Sojin? Ela não podia ir embora dali enquanto não a encontrasse.

Mas ao mesmo tempo, a realidade lhe batia a porta. Muita coisa acontece em um ano. Pessoas mudam, sentimentos vêm e vão. Talvez Sojin não estivesse ali, porque agora tinha alguém com quem estar. Um peito em que pudesse se deitar, acalentar-se sem que fosse preciso esconder o que sentia. Não havia amor pra elas naquele mundo.

As dúvidas voltavam a girar em sua cabeça, palavras atropelando-se por sua mente enquanto as lágrimas faziam seus olhos arderem. Não havia estrelas naquela noite. Só garoa melancólica.

Começava a caminhar rumo à saída quando sentiu uma mão delicada tocar seu ombro, mão que ela decorara cada traço. Virou-se sorrindo, enquanto os olhos encontravam as constelações que Sojin refletia nos orbes escuros.

Ela viera. Estava ali. E as dúvidas se dissipavam em seu peito.

Ela tinha olhos de estrela. E tudo que é infinito.


Notas Finais


Essa fanfic começou pra ser romance, mas acabou abordando mais o preconceito sofrido até hoje pela população homossexual. Esse final é aguado, meio com gosto de vento, mas pelo menos não é triste, né?
Enfim, mendigação usual: Comentem, me contem o que acharam, a opinião de vocês é importante pra mim. Continuo de hiatus, entro só de vez em quando pra não deixar isso aqui às traças. Então até lá, se cuidem! <3

Obs: Essa fanfic também está postada como original no meu livejournal. (link no perfil)


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