Toda vez que o ponteiro do relógio apontava para a esquerda me sentia como a pessoa mais feliz do mundo. 21h00min. A hora que o meu pai largava o trabalho e voltava para casa.
Sempre me arrumava toda para o ver. Pedia para a minha irmã mais velha, Dallas, me ajudar no visual todo dia. Ela me ajudava a escovar o cabelo, a me maquiar como uma criança direita e a me vestir como uma princesa. Eu me emperiquitava toda só para o ver feliz, e eu gostava de o ver feliz, muito mesmo.
Toda vez que o via chegando o recebia com um caloroso abraço e com um grande sorriso. Meu pai era forte, mas o seu abraço era mais forte ainda. Era bom ser esmagada por ele. Com ele me sentia segura, como se nada mais importasse. Ele era o meu herói.
Todo final de semana, nós saiamos para passear. Íamos ao parque, tomávamos sorvete, visitávamos o teatro, comíamos fora... Eu era feliz ao lado da minha família. Dallas, papai e mamãe me alegravam completamente, mas como todo conto de fadas, o fim sempre chega.
Mais uma vez, Dallas me arrumou toda para quando o meu pai chegar. Estava usando uma maquiagem da Barbie, meus cabelos estavam sendo protegidos por uma coroa que ganhei no ano anterior em uma viagem à Disney, a melhor da minha vida com o meu pai, e também usava um belo vestido rosa de cetim.
Pronta, eu fui até a garagem e fiquei esperando num banquinho o meu pai chegar com o carro dele. Fiquei olhando para o relógio, animada, pois sabia que cada segundo que se passava era um segundo mais próximo do nosso encontro. Mas o tempo foi passando e eu acabei me cansando. O sono me atacou.
Acho que eu tive o pior sonho da minha vida. Sei que nos sonhos não se sente cheiros, mas o meu pai estava fedendo a manguaça. Eu me aproximei dele para abraçá-lo, mas ele simplesmente me ignorou, e foi correndo até a cozinha, onde minha mãe estava preparando a janta. Ele a puxou pelos cabelos e a levou para o quarto. Então, ele olhou para mim furiosamente e trancou a porta do quarto dele. Horas depois de ouvir os gritos e choros de dor da minha mãe, o silêncio reinou.
Meu pai virou a maçaneta com lágrimas no rosto e passou direto por mim. Acredito que ele não tenha me visto, pois estava escondida dentro de um armarinho. Logo, ouvi o motor do carro sendo acionado, e lentamente, o barulho foi sessando.
Minha vez de entrar em desespero havia começado. Eu fui até o quarto da minha mãe, mas Dallas apareceu do nada e me empurrou. Ela me impediu de entrar e trancou a porta. Ela demorou demais para trancar a porta. Tive tempo suficiente para ver a minha mãe caída no chão com um olho roxo e com as suas belas roupas ensanguentadas.
Quando acordei estava no meu quarto. Dallas estava sentada na minha cama.
—Demetria, você está bem?
—Não...
—Eu sei que é difícil para uma criança com só quatro anos de idade entender, mas a mamãe...
Ela não precisou completar a frase. Eu já havia sacado.
A tristeza se infiltrou no meu coração puro de criança. A última coisa que eu me lembro de ter feito foi abraçar forte a minha irmã, que também começou a chorar junto comigo.
—Se arrume, mana. Precisamos ver a mamãe.
—O vestido preto, por favor.
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